A Lei é um texto normativo que, legitimada pelos sistemas jurídicos nacionais e/ou órgãos internacionais, buscam ordenar as sociedades envolvidas. As leis racistas são leis, decretos e regulamentações (municipais, provinciais/estaduais e nacionais/federais) que - muitas vezes -, apesar de não carregarem consigo diretamente o componente racial como fator de exclusão e/ou discriminação, impactam negativamente direta ou indiretamente a vida de pessoas negras a partir das suspeições sobre os seus modos de ser e viver no mundo, de suas limitações, proibições, criminalizações, controles etc. Atualmente, vez ou outra, evidenciam-se projetos de leis que, apesar de não serem declaradamente racistas, afetam majoritariamente a população negra. Um exemplo disto ocorreu em 2019, quando o então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, tentou resguardar policiais que se excedessem em ações de legítima defesa, abrindo a possibilidade dos agentes de segurança alegarem "medo, surpresa ou violenta emoção" para amenizarem suas penas ou nem terem-na aplicada. Num país com altos índices de assassinatos de pessoas negras pelas mãos da polícia, este projeto de lei foi encarado pelos movimentos sociais e pela população geral como uma licença para continuar matando pessoas negras. Mas também poderíamos falar sobre a mais recente tentativa de se criminalizar as mulheres vítimas de estupro e que resolvessem abortar o feto, através do Projeto de Lei 1.904/2024, que ficou conhecido como o "PL dos estupradores", que atingiria sobretudo mulheres negras e pobres, já fragilizadas pelas desassistências do Estado, impondo-lhes uma pena maior pelo aborto do que a pena que eventualmente teriam os seus estupradores. Num país de passado escravista, que consolidou desigualdades gritantes norteadas pela cor da pele, coube majoritariamente às pessoas negras serem legisladas por pessoas enriquecidas através da escravidão. Eram os filhos de donos da lavoura que bacharelavam-se nas faculdades de Direito de Coimbra e depois de Recife e São Paulo ao longo do Império. Os operadores do Direito, isto é, as pessoas que trabalham com a aplicação das Leis, são socialmente bem localizadas e de pele predominantemente branca. Na República, o Brasil continuou reeditando essa política de desigualdades a partir de uma origem racista, suspeitando, acusando, constrangendo, violentando e penalizando pessoas negras que formam a maior parte da população encarcerada do país, chegando a 68,2% em 2022, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A letra da Lei pode não conter o termo "raça", mas este fator é elemento preponderante desde a formação dos inquéritos até às decisões judiciais.