Ela foi uma das fundadoras do candomblé Ilê Axé Iyá Nassô Oká, também conhecido como Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, o primeiro no Brasil a ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Este terreiro, fundado em Salvador no século XIX, é tradicionalmente considerado o mais antigo templo afro-brasileiro ainda em funcionamento.
A tradição preservada pela comunidade do Egbé Iyá Nassô indica que o terreiro foi inicialmente instalado na Ladeira do Berquó, na Barroquinha, antes de ser transferido para a Roça do Engenho Velho, no Caminho do Rio Vermelho, onde permanece até hoje.
Iyá Nassô e seu grupo já eram atuantes no início do século XIX, ocupando diversos espaços em Salvador antes de estabelecer seu Ilê Orixá na Barroquinha. O terreiro, inclusive, agregava as "mulheres de partido alto", sacerdotisas de grande iniciativa e liderança, que desempenharam um papel crucial tanto no campo religioso quanto na vida civil da população negro-mestiça baiana. Essas mulheres eram empreendedoras proeminentes no comércio de rua e exerciam significativa influência em seu meio.
Segundo a tradição oral da comunidade, Hilária Batista de Almeida, a célebre Tia Ciata, uma filha de Oxum iniciada no Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, foi uma dessas mulheres. Não por acaso, o terreiro baiano é uma referência valiosa para a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, que já o homenageou com a visita de sua Velha Guarda.
Iyá Nassô permaneceu no Brasil por décadas, até que, em 1837, retornou à sua terra natal na África Ocidental. A viagem ocorreu em um contexto de intensificação da repressão contra pessoas africanas, sobretudo na Bahia, após a Revolta dos Malês, ocorrida em 1835. Ela embarcou ao lado do marido e de aproximadamente outras 25 pessoas.
Dois de seus filhos foram condenados por suposta participação na insurgência, mas Iyá Nassô conseguiu autorização para regressar à África, com a condição expressa de não retornar ao Brasil. Em 1841, ela foi localizada no porto negreiro da Costa da Mina, integrada à comunidade agudá – formada por mercadores portugueses, brasileiros, luso-africanos e libertos retornados do Brasil. Essa comunidade mantinha relações comerciais relativamente fluidas com parentes e redes de sociabilidade na Bahia.
A trajetória de Iyá Nassô reflete não apenas a resistência, a força e o protagonismo de uma liderança religiosa feminina negra no Brasil dos oitocentos, mas também a profunda conexão entre a diáspora africana e suas raízes culturais e espirituais.
Essa relevância histórica e espiritual segue viva nas celebrações contemporâneas da cultura afro-brasileira. Em 2025, a G.R.E.S. Unidos de Padre Miguel homenageia a trajetória de Iyá Nassô com o enredo Egbé Iyá Nassô, que reverbera seu legado. O samba-enredo tem os seguintes versos:
Awurê obá kaô, awurê obá kaô
Vila Vintém é terra de macumbeiro
No meu egbé, governado por mulher
Iyá Nassô é rainha do candomblé
A história de Iyá Nassô atravessa séculos e fronteiras, reafirmando que a memória da diáspora africana segue pulsante em cada canto, em cada canto do candomblé, em cada batuque de resistência.