Iyá Nassô

Ilustração de Iyá Nassô, sacerdotisa do orixá Xangô e fundadora do primeiro candomblé tombado pelo Iphan

Ilustração por Tassila Custodes

Iyá Nassô, título honorífico da sacerdotisa do orixá Xangô. Estudos sugerem que, após se tornar liberta, Iyá Nassô também adotou o nome Francisca da Silva.

Ela foi uma das fundadoras do candomblé Ilê Axé Iyá Nassô Oká, também conhecido como Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, o primeiro no Brasil a ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Este terreiro, fundado em Salvador no século XIX, é tradicionalmente considerado o mais antigo templo afro-brasileiro ainda em funcionamento.

A tradição preservada pela comunidade do Egbé Iyá Nassô indica que o terreiro foi inicialmente instalado na Ladeira do Berquó, na Barroquinha, antes de ser transferido para a Roça do Engenho Velho, no Caminho do Rio Vermelho, onde permanece até hoje.

Iyá Nassô e seu grupo já eram atuantes no início do século XIX, ocupando diversos espaços em Salvador antes de estabelecer seu Ilê Orixá na Barroquinha. O terreiro, inclusive, agregava as "mulheres de partido alto", sacerdotisas de grande iniciativa e liderança, que desempenharam um papel crucial tanto no campo religioso quanto na vida civil da população negro-mestiça baiana. Essas mulheres eram empreendedoras proeminentes no comércio de rua e exerciam significativa influência em seu meio.

Segundo a tradição oral da comunidade, Hilária Batista de Almeida, a célebre Tia Ciata, uma filha de Oxum iniciada no Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, foi uma dessas mulheres. Não por acaso, o terreiro baiano é uma referência valiosa para a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, que já o homenageou com a visita de sua Velha Guarda.

Iyá Nassô permaneceu no Brasil por décadas, até que, em 1837, retornou à sua terra natal na África Ocidental. A viagem ocorreu em um contexto de intensificação da repressão contra pessoas africanas, sobretudo na Bahia, após a Revolta dos Malês, ocorrida em 1835. Ela embarcou ao lado do marido e de aproximadamente outras 25 pessoas.

Dois de seus filhos foram condenados por suposta participação na insurgência, mas Iyá Nassô conseguiu autorização para regressar à África, com a condição expressa de não retornar ao Brasil. Em 1841, ela foi localizada no porto negreiro da Costa da Mina, integrada à comunidade agudá – formada por mercadores portugueses, brasileiros, luso-africanos e libertos retornados do Brasil. Essa comunidade mantinha relações comerciais relativamente fluidas com parentes e redes de sociabilidade na Bahia.

A trajetória de Iyá Nassô reflete não apenas a resistência, a força e o protagonismo de uma liderança religiosa feminina negra no Brasil dos oitocentos, mas também a profunda conexão entre a diáspora africana e suas raízes culturais e espirituais.

Essa relevância histórica e espiritual segue viva nas celebrações contemporâneas da cultura afro-brasileira. Em 2025, a G.R.E.S. Unidos de Padre Miguel homenageia a trajetória de Iyá Nassô com o enredo Egbé Iyá Nassô, que reverbera seu legado. O samba-enredo tem os seguintes versos:

Awurê obá kaô, awurê obá kaô
Vila Vintém é terra de macumbeiro
No meu egbé, governado por mulher
Iyá Nassô é rainha do candomblé

A história de Iyá Nassô atravessa séculos e fronteiras, reafirmando que a memória da diáspora africana segue pulsante em cada canto, em cada canto do candomblé, em cada batuque de resistência.