Vinda de uma família humilde, foi forçada a abandonar a escola aos sete anos para cuidar dos irmãos enquanto sua mãe trabalhava. Essa responsabilidade precoce a tornou ainda mais consciente de suas circunstâncias.
Ao relembrar os frequentes episódios de racismo que enfrentou, Dona Laudelina, conforme relata Elizabete Pinto (2003), deixava transparecer, para além da dor inevitável, um profundo orgulho de si – fruto do reconhecimento de sua altivez, força e coragem de jamais ter se curvado. Entre os episódios mais marcantes, destaca-se o dia em que, ainda criança, testemunhou sua mãe ser esbofeteada e desabafar, em desespero:
"Eu não aguento mais isso, eu não sou escrava" — Mãe de Laudelina
Em outra ocasião, ao reagir a uma agressão ainda na infância, ouviu como resposta:
"Esta negrinha é atrevida, não?" — Agressor racista
Essas violências, embora profundamente marcantes, não a definiram pelos traumas que causaram, mas sim pela força com que ela respondeu a eles, moldando-se em uma mulher aguerrida e determinada a transformar sua realidade e a de outras tantas.
Com apenas 16 anos, Laudelina já era atuante nas organizações sociais do movimento negro, engajando-se na luta por um Brasil verdadeiramente justo e igualitário. Nos anos 1930, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro e integrou a Frente Negra Brasileira, uma entidade que, tamanha sua força política, poderia ser chamada de partido.
Era um tempo de efervescência política – e Laudelina estava no centro dele. Fundou, em Santos, a primeira associação de trabalhadoras domésticas do Brasil, compreendendo, com rara lucidez, que essa categoria era uma das principais herdeiras das estruturas do trabalho escravizado – o que explica, em grande medida, a resistência histórica em reconhecer direitos a essas trabalhadoras.
Laudelina escreveu seu nome na nossa historiografia como uma voz fundamental na reivindicação de dignidade e justiça para essa categoria profissional e, por extensão, na luta mais ampla das mulheres negras por reconhecimento e equidade.
Durante os anos turbulentos da Segunda Guerra Mundial, Laudelina se alistou como auxiliar de guerra, motivada por sua revolta contra a ideologia nazista, que pregava a eliminação de todas as raças consideradas "inferiores", especialmente a negra.
Laudelina compreendia a dignidade como um direito abrangente, que não se limitava apenas às condições de trabalho, mas também ao acesso à educação, cultura e lazer. Por isso, ela organizou ações recreativas e educativas para fortalecer a autoestima do povo negro, e articulou frentes de mobilização para conquistar melhores condições de vida e de trabalho. Sua luta ia além da sobrevivência; ela buscava a valorização plena da identidade e a promoção de uma vida digna em todos os aspectos.
Quando deixou de trabalhar como empregada doméstica, nos anos 1950, encontrou novos meios de sustento. Em Campinas, onde vivia, montou uma pensão e passou a vender salgados em campos de futebol.
Laudelina viveu até os 86 anos, falecendo em Campinas, em 1991. Sua luta, no entanto, ecoa pelas décadas seguintes. Foi apenas em 2013, com a aprovação da PEC das Domésticas, que essa categoria passou a ter seus direitos trabalhistas formalmente reconhecidos – como a jornada de 44 horas semanais e o pagamento de horas extras.
"Eu passei a (minha) casa… para o Sindicato das Empregadas Domésticas… não pode vender, não pode dar, não pode alugar… até enquanto existir a última empregada doméstica no Brasil" — Laudelina de Campos Melo ao Museu da Imagem e do Som de Campinas
Essa declaração revela que, para Laudelina, a luta que a moveu durante toda a vida não teria fim enquanto houvesse uma só trabalhadora doméstica a ser dignificada.