Mãe Hilda

Retrato ilustrado de Mãe Hilda (Hilda dos Reis Dias), Yalorixá e matriarca do Ilê Aiyê, líder espiritual e cultural da comunidade do Curuzu

Ilustração por Tassila Custodes

Jitolu, "aquela que vem com a força da terra", foi o nome dado a Hilda dos Reis Dias no momento de sua iniciação religiosa. Filha de Benta Maria do Sacramento e Aniceto Manoel Dias, Hilda era neta de africanos e nasceu em Salvador, Bahia, em 1923, no bairro Quinta das Beatas, 35 anos após a abolição da escravidão no Brasil.

Em 1933, aos dez anos, Hilda chegou ao Curuzu, onde viveria pelo resto de sua vida. Sua presença ali se consolidou como líder espiritual e matriarca do Ilê Aiyê, tornando-se uma referência fundamental para a comunidade e para as gerações seguintes. Em 2024, a história de Mãe Hilda foi narrada no livro Mãe da Liberdade, escrito por sua neta, Valéria Lima, que também é responsável pelo Instituto da Mulher Negra Mãe Hilda Jitolu – instituição dedicada à preservação do seu legado e ao resgate de outras histórias de resistência e valorização da cultura negra.

"Ser uma liderança religiosa traz consigo muitas influências; desde a solidariedade africana, muitas identidades étnicas dos diferentes povos que vieram do continente africano, o sentimento materno, além de valores que cercam o candomblé. Foi essa experiência interna, da vivência de Iyalorixá, que fez de Mãe Hilda uma liderança cultural e política" — Valéria Lima sobre Mãe Hilda (Lima, 2024, p. 30)

Como Yalorixá, Mãe Hilda consolidou-se como uma liderança religiosa de grande importância. Sua neta, Valéria Lima, observa que a experiência espiritual foi fundamental para sua atuação como líder cultural e política.

O Ilê Aiyê, fundado em 1974 por jovens do bairro da Liberdade que frequentavam o Terreiro Acé Jitolu – também conhecido como Terreiro Jeje Savalu do Curuzu, liderado por Mãe Hilda – surgiu como uma resposta contundente ao racismo e à exclusão que marcavam o carnaval baiano, onde pessoas negras eram impedidas de participar dos principais blocos carnavalescos. Inspirados pelos debates promovidos pelo Núcleo Cultural Afro-Brasileiro (NCAB), criado no mesmo ano por intelectuais como o sociólogo Manoel de Almeida Cruz, o grupo decidiu fundar uma associação cultural e bloco carnavalesco que dignificasse a presença negra na folia.

Com o apoio determinante de Mãe Hilda Jitolu – que ofereceu sustentação espiritual, moral e ainda influenciou na escolha do nome –, o bloco tornou-se um símbolo de resistência, orgulho e valorização da cultura afro-brasileira (Lima, 2024). Desde então, o Ilê Aiyê não apenas promove a visibilidade negra no carnaval, mas também atua como uma importante referência cultural e política na luta contra o racismo e na afirmação da identidade negra na Bahia e no Brasil.

Para Mãe Hilda, a luta por justiça social – que sempre foi seu Norte – passava, sobretudo, pela democratização da educação.

Idealizadora da Escola Mãe Hilda, inaugurada em 1988, a grande matriarca deu o primeiro passo para os projetos educacionais do Ilê Aiyê, criando um espaço para o aprendizado no coração do Curuzu, onde também se localizava o terreiro. A escola foi considerada a grande realização de sua vida, ainda segundo Lima (2024), representando uma forma concreta de contribuir para a formação de novas gerações – principalmente daquelas sem acesso à educação básica.

Suas filhas mais novas, Hildemaria e Hildelice, foram as primeiras professoras da escola, dedicando-se com empenho, mesmo diante da falta de estrutura, para concretizar o sonho da mãe. Até hoje, a Escola Mãe Hilda continua desempenhando papel essencial na comunidade, sendo o primeiro ponto de contato de muitas crianças da Liberdade com a Educação Básica.

Entre os muitos feitos políticos e sociais de Mãe Hilda, destaca-se sua visita ao Quilombo dos Palmares, iniciada em 1981. Acompanhada de filhos e filhas de santo, buscava, com sua presença, fortalecer a conexão entre a tradição religiosa do candomblé e as lutas históricas pela liberdade e identidade negra.

Na década de 1980, quando as questões raciais ganhavam nova dimensão e o número de instituições negras crescia significativamente, Mãe Hilda foi convidada por grandes nomes como Abdias do Nascimento e Olímpio Serra para realizar rituais religiosos em homenagem a Zumbi dos Palmares. Como expressa a música do próprio Ilê Aiyê, citada por Valéria Lima em seu livro:

"Matriarca do Curuzu, Mãe,
Mãe Hilda Jitolu
Matriarca Ilê Aiyê
Vem saudar você
Estrela guia, desde os tempos de criança" — Música do Ilê Aiyê

Mãe Hilda faleceu em 19 de setembro de 2009 em Lauro de Freitas/BA, mas sua presença continua viva na memória e nas práticas do Ilê Aiyê, na força das tradições do Curuzu e na inspiração que deixou para novas gerações. Sua vida e sua história permanecem como guia e referência para todos que lutam pela preservação da cultura afro-brasileira e pelo fortalecimento da ancestralidade.