1831
"FIM" DO TRÁFICO DE ESCRAVIZADOS
CAPTURA DE NAVIO NEGREIRO COM COMANDANTE BRASILEIRO EM LAGOS, ATUAL NIGÉRIA, 1849, IMAGEM REPRODUZIDA DO MANUSCRIPT, ARCHIVES AND RARE BOOK LIBRARY, EMORY UNIVERSITY
A Lei de 7 de novembro de 1831 aboliu o tráfico transatlântico de pessoas africanas escravizadas. Esta lei foi fruto de pressões internacionais, especialmente inglesas, e apesar de ter sido amplamente descumprida, ela não foi simplesmente uma “lei para inglês ver”. A intenção era sua real aplicação, embora autoridades imperiais frequentemente ignorassem suas disposições.
A lei tornava ilegal a entrada de navios negreiros no Brasil e declarava livres todos africanos trazidos ilegalmente. No entanto, uma manobra jurídica permitia que o Estado tutelasse esses indivíduos por 14 anos, precarizando suas liberdades, pois durante esse tempo eles ainda vivenciavam as condições da escravidão. Após os 14 anos, os africanos não eram formalmente libertados, pois já deveriam ser considerados livres, mas se tornavam estrangeiros em uma terra estrangeira, sem cidadania ou direitos.
A partir da década de 1860, muitos escravizados usaram a lei de 1831 como base para ações judiciais em busca de sua liberdade. Se fosse provado que a pessoa havia chegado ao Brasil após a lei ter sido promulgada, seu cativeiro era considerado ilegal. Isso levou a várias decisões judiciais favoráveis em diversos tribunais do Império, mesmo com o tráfico continuando até a abolição de 1850.
FONTE: REBOUÇAS, André. Escravizadores!. Gazeta da Tarde, Rio de Janeiro, n. 174, p. 1, 2 ago. 1887.
Resistências Radicais
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DECISÕES E CORRUPÇÕES SOBRE O TRÁFICO
EMBARCAÇÃO H.M.S. ""RIFLEMAN"" (DIREITA) PERSEGUINDO O NAVIO NEGREIRO “ESMERALDA"" (ESQUERDA) NA COSTA BRASILEIRA, 1850 - THE ILLUSTRATED LONDON NEWS (DEC. 14, 1850), VOL. 17, P. 468
Sidney Chalhoub demonstra como a Lei de 7 de novembro de 1831 , que proibia o tráfico de africanos para o Brasil, foi sistematicamente desrespeitada pelos traficantes e autoridades públicas. Mesmo após a promulgação da lei, o comércio de escravizados intensificou-se, com a conivência de agentes do Estado, que iam desde pessoas ligadas ao aparato policial e jurídico até políticos de alto escalão.
Em 1837, seis anos após a proibição, “o tráfico negreiro estava fora de controle”. O ministro da justiça da época, Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, um homem negro “inimigo do tráfico ilegal”, apreendeu mais de 30 navios suspeitos de tráfico durante sua curta gestão de quatro meses. Montezuma lutava contra uma maré desfavorável, pois o número de navios cruzando o Atlântico para traficar pessoas aumentou assustadoramente.
No primeiro dia de junho de 1857 as ruas de Salvador amanheceram extremamente calmas. Os negros haviam cruzado os braços em protesto a uma postura municipal que estabelecia que os trabalhadores de ganho só poderiam ganhar mediante licença concedida pela Câmara Municipal. E por esta licença ou matrícula pagariam dois mil réis. Além disso, deveriam pagar uma taxa adicional de três mil réis por uma espécie de crachá/alvará. Uma chapa de metal com um número de inscrição a ser pendurada no pescoço a título de identificação. Além disso, os ganhadores deveriam apresentar fiador idôneo que se comprometesse com o comportamento futuro deles. Esta lei se restringia aos ganhadores masculinos.
Em 1831, ano da aprovação da lei que proibia o tráfico negreiro, cerca de 5.877 africanos escravizados desembarcaram no Brasil, segundo dados recuperados pelo projeto Slave Voyages. Em 1837, quando Montezuma tentou reprimir o comércio, cerca de 62.021 africanos chegaram ao Brasil, um número dez vezes maior que o estimado para 1831.
FONTE:
CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
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BRASIL. Lei de 7 de novembro de 1831 (Lei Feijó). Declara livres todos os escravos vindos de fora do Império, e impõe penas aos importadores dos mesmos escravos. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1831, v. 1, p. 182, 15 nov. 1831.
MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. Africanos Livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

MAMIGONIAN, Beatriz. Gallotti. Em nome da liberdade: abolição do tráfico de escravos, o direito e o ramo brasileiro do recrutamento de africanos (Brasil – Caribe britânico, 1830 – 1850), Revista Mundos do Trabalho, v. 3, n. 6, p. 67-92, dez. 2011.

SANTANA, Crisley. Independência do Brasil redesenhou política do tráfico negreiro. Jornal da USP, São Paulo, 4 nov. 2022.

SLAVE VOYAGES: iniciativa digital colaborativa que compila e torna acessíveis ao público os registros dos maiores tráficos de escravizados da história. [S.l.], 2008-.

SLENES, Robert Wayne. ‘‘'Malungu, Ngoma Vem!’: África Coberta e Descoberta do Brasil’". Revista USP, São Paulo, n. 12, p. 48-67, 1992.
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