1890
ESTADO LAICO?
A PERMISSÃO SELETIVA DOS CULTOS RELIGIOSOS
IMAGENS DE PEÇAS RELIGIOSAS APREENDIDAS DURANTE O FUNCIONAMENTO DO DECRETO RESGATADAS PELO MOVIMENTO LIBERTE NOSSO SAGRADO, 2017. FOTO DE GUI CHRIST
O Brasil se tornou oficialmente um Estado laico com a Proclamação da República, em 1889, mas foi o Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890, que formalizou a separação entre o Estado e a Igreja Católica. No entanto, na prática, era comum a polícia interromper cultos afro-brasileiros, prender líderes religiosos e confiscar objetos sagrados, mostrando que a liberdade religiosa nem sempre foi respeitada.
Nas primeiras décadas da República, entre 1889 e 1945, a polícia confiscou mais de 500 objetos religiosos de Casas de Santo no Rio de Janeiro, usados como “provas de crime”. Em 1945, esses objetos foram levados para o Museu da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro e, em 2020, a coleção passou a ser denominada “Nosso Sagrado”, com 519 peças, e foi transferida para o Museu da República, no Rio de Janeiro.
A contradição entre o discurso oficial de liberdade religiosa e a prática persecutória contra as religiões afro-brasileiras evidencia como a laicidade do Estado brasileiro foi aplicada de forma seletiva. Enquanto o catolicismo mantinha sua influência social e política, as manifestações religiosas de matriz africana continuavam sendo criminalizadas e reprimidas pelas autoridades.
Esta perseguição sistemática não apenas violava o princípio constitucional da liberdade de culto, mas também revelava o racismo estrutural que permeava as instituições republicanas. O confisco e a exposição de objetos sagrados como "curiosidades" ou "evidências criminais" representavam uma forma de violência simbólica que buscava deslegitimar e folclorizar as tradições religiosas afro-brasileiras.
Resistências Radicais
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DE VIAGEM
IMAGEM DA NOTA "DE VIAGEM" DO JORNAL TRIBUNA POPULAR, SALVADOR, 29 JUN. 1890.
Oh! xentes, gentes!
(Aqui, quem estiver lendo ponha a mão no queixo, faça beicinho e meneie a cabeça compassadamente.)
Como pode a polícia fazer tanto alvoroço em um candomblé onde se adoravam Gonocô [Gunocô, orixá que prevê o futuro] e Ossum-Chê [possivelmente referência a Oxumarê, orixá da transformação], deuses que, após o decreto de liberdade de cultos, estão em pleno gozo de seus direitos morais, civis e políticos?
Ora, caros policiais, é preciso levar a gente mais a sério! Vocês não estão subordinados a nenhuma ordenança canônica, então por que se meter tão profundamente nas crenças alheias? Não há nenhuma graça nisso.
Hoje em dia, todas as religiões têm o mesmo direito que a católica: seja o budismo, o fetichismo, o cisma, o protestantismo, e até a minha, que consiste em tomar um cálice de vermouth [bebida de origem italiana que é composta por vinho, flores e especiarias] às 8 horas da noite no quiosque do Pedro Chaves.
Vocês não têm absolutamente nada a ver com esses assuntos, nada mesmo; especialmente considerando que todos vocês comeram inhame, acarajé, galinha com azeite de palma e beberam aluá [bebida fermentada afro-indígena de milho] e chuparam vinho em tigelas de barro.
E, além de tudo, por algum capricho daqueles que têm bigodes, vocês soltaram as sacerdotisas e prenderam os homens como vocês. Se arrespeitem, se querem ser arrespeitados; assim… não [serve].
Zé do Ó.
TEXTO REESCRITO E ADAPTADO PELO EDITOR REVISOR
FONTE:
DE VIAGEM. Tribuna Popular, Salvador, n. 50, p. 3, 29 jun. 1890.
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