1890
ATESTADO DE MORALIDADE E OUTRAS EXCLUSÕES
DECRETO Nº 407, DE 17 DE MAIO DE 1890

ESCOLA NORMAL DE SÃO PAULO INAUGURAÇÃO – 1894
A Escola Normal foi responsável pela formação de professores primários e é resultado de movimentos que buscaram uma inovação da educação escolar associada ao governo republicano. Esses movimentos ocorreram em um momento de grandes mudanças sociais, políticas e econômicas no Brasil: a abolição da escravatura (1888), o incentivo à imigração, a modernização da produção agrícola pela introdução de máquinas, a reforma eleitoral e a transição do Império para a República (1889).
Esse período também foi marcado por conflitos relacionados ao racismo contra pessoas negras e à discriminação contra minorias sociais da época. Além disso, no contexto de consolidação da República, buscava-se promover um projeto eugenista de Estado, baseado na ideia de progresso e "higiene social", que envolvia o branqueamento da população por meio do estímulo à imigração de brancos europeus, além de um "melhoramento racial" por meio da educação eugênica.
Essa educação eugênica promovia a predominância racial branca, discriminando pessoas de certas categorias, como negras, indígenas e com deficiência, e excluindo sua integração. Nesse contexto, considerando que só podiam exercer o magistério aqueles que tivessem passado pela Escola Normal, e que o Decreto nº 407, de 17 de maio de 1890, exigia um atestado de moralidade emitido por pessoas respeitáveis, reconhecido por um tabelião, além de proibir a matrícula de pessoas com deficiência física, fica explícito que o acesso à Escola Normal e, portanto, ao magistério, era negado a pessoas negras, pobres e com deficiência, evidenciando o projeto eugenista na educação brasileira.
O "atestado de moralidade" funcionava como um mecanismo de exclusão social disfarçado de critério técnico. Na prática, esse documento dependia do reconhecimento de "pessoas respeitáveis" – uma categoria socialmente construída que excluía automaticamente pessoas negras, pobres e outros grupos marginalizados. Assim, o que se apresentava como um requisito educacional neutro era, na verdade, uma barreira racial e classista institucionalizada.
Esta política educacional da Primeira República consolidou um sistema de exclusão que perpetuava privilégios de classe e raça, impedindo que grupos marginalizados acessassem uma das principais vias de ascensão social da época: o magistério. A educação, que deveria ser um direito universal, tornou-se um instrumento de manutenção das hierarquias sociais e raciais estabelecidas.
Resistências Radicais
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AMÁLIA AUGUSTA E A INSTITUIÇÃO PARA MOÇAS

AMÁLIA AUGUSTA, BIBLIOTECA BRASILIANA GUITA E JOSÉ MINDLI
A história da família de Lima Barreto faz parte dessas muitas histórias da escravidão e da luta pela liberdade plena no Brasil. Sua mãe, D. Amália Augusta nasceu no Rio de Janeiro em 22 de abril de 1862. Teve como padrinho o Dr. Manuel Feliciano Pereira de Carvalho, que supostamente era seu pai, mas jamais assumiu essa relação.
Ela era filha da escravizada alforriada Geraldina Leocádia da Conceição e neta da escravizada Maria da Conceição, que foi "cria" da mesma família Pereira de Carvalho. Esta genealogia revela as complexas relações de poder, exploração e protecionismo que caracterizavam as famílias brasileiras do século XIX, onde os vínculos de sangue coexistiam com a manutenção de hierarquias raciais.
Superando as Barreiras do Sistema Educacional
Embora seja certo que Amália contou com o apoio financeiro da família do médico Pereira de Carvalho, ela soube aproveitar essa ajuda, tornando-se professora e diretora de uma instituição para moças. Esses episódios fazem parte de uma história bem conhecida, marcada por muito esforço e mérito pessoal, mas também por favores e protecionismo – elementos que foram essenciais para que ela conseguisse escapar da barreira racial e social imposta pela sociedade da época.
A trajetória de Amália Augusta representa uma exceção que confirma a regra do sistema excludente da educação brasileira no final do século XIX. Enquanto o Decreto nº 407 de 1890 estabelecia critérios que efetivamente impediam o acesso de pessoas negras ao magistério através do "atestado de moralidade", Amália conseguiu burlar essas barreiras graças à proteção de uma família branca influente.
Resistência Através da Educação
Sua conquista do magistério e posterior direção de uma instituição educacional representa uma forma de resistência individual que desafiava as normas raciais da época. Como mulher negra em posição de autoridade educacional, Amália Augusta subvertia as expectativas sociais e oferecia um modelo alternativo de possibilidade para outras mulheres negras, ainda que em circunstâncias excepcionais.
Sua história ilustra tanto as limitações quanto as brechas do sistema educacional excludente da Primeira República. Embora dependesse de relações de protecionismo que não estavam disponíveis para a maioria da população negra, sua ascensão profissional demonstrava que o talento e a determinação podiam, em circunstâncias favoráveis, superar as barreiras raciais institucionalizadas.
[TEXTO REESCRITO E ADAPTADO PELO EDITOR REVISOR]
FONTE:
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto: Triste visionário, São Paulo: Ed. Cia das Letras, 2017.
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ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. "Amália Augusta", com Lilia Schwarcz. YouTube. 26 set. 2024. 1h03min03seg.
FONSECA, Michelle de Barros. Educação eugênica e a escola primária na Primeira República. Dissertação (Mestrado em Relações Étnico-Raciais) – Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, 2024.

PEREIRA, Néli. Lima Barreto é bom remédio para nossa enxaqueca republicana e democrática, diz Lilia Schwarcz. BBC Brasil, São Paulo, 25 jul. 2017.
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