1891
A CONSTITUIÇÃO DE 1891
O PROJETO REPUBLICANO E A EXCLUSÃO DA POPULAÇÃO NEGRA

CONSTITUIÇÃO DE 1891
A Constituição de 1891 foi a primeira da era republicana no Brasil, estabelecendo o regime republicano presidencialista, a separação entre o Estado e a Igreja, a igualdade formal perante a lei, a liberdade de culto para todas as religiões, o ensino primário obrigatório, laico e gratuito, a proibição de brasões ou títulos de nobreza, e o fim do voto baseado em renda, permitindo que todos os cidadãos votassem.
Contudo, analfabetos, mendigos, soldados e membros de ordens religiosas não podiam votar (art. 70). O voto não secreto favorecia o "coronelismo", em que figuras influentes no meio rural manipulavam as eleições. Embora a Constituição de 1891 fosse, em teoria, mais liberal que a de 1824, na prática, ela garantiu o controle da elite agrária sobre o Brasil.
Um ponto importante é o §5º do artigo 72, que estabelece que os cemitérios seriam seculares e administrados pelas prefeituras, mas que proibia ritos religiosos que ofendessem a moral pública (grifo nosso), permitindo a perseguição às religiões afro-brasileiras durante o século XX e além.
Apesar de o artigo 11 proibir os Estados e a União de dificultar o exercício de cultos religiosos, na prática, as religiões de matriz africana continuaram a ser associadas ao crime e ao atraso, o que mostra que a laicidade no Brasil era, e ainda é, em grande parte, apenas formal.
Casos Históricos
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CASO HISTÓRICO
HINO DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

PARTITURA DO "HINO DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA", MÚSICA DE LEOPOLDO MIGUEZ, DIRETOR DO INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA (1890-1902)
"Nós nem cremos que escravos outrora
Tenha havido em tão nobre País…
Hoje o rubro lampejo da aurora
Acha irmãos, não tiranos hostis.
Somos todos iguais!
Ao futuro/Saberemos, unidos, levar
Nosso augusto estandarte que, puro,
Brilha, avante, da Pátria no altar!"
O hino da proclamação da república deixa evidente que a narrativa hegemônica enunciou o projeto republicano brasileiro como assegurador de vontades emancipatórias em que o progresso e a ordem caminham juntos rumo a um desenvolvimento eurocêntrico da nação, numa lógica de produção do silenciamento sobre a raça, o qual pressupõe a supressão política, jurídica e cultural das pessoas negras (QUEIROZ, 2024).
Este silenciamento tem por "pano de fundo" o apagamento sistemático não apenas do terror racial-sexual perpetrado contra a população negra e indígena, como também das formas associativas de vivência e/ou articulação contra tais processos.
A letra do hino revela como o discurso republicano tentava construir uma narrativa de superação completa do passado escravista, negando tanto a violência histórica quanto a continuidade das exclusões no presente. O verso "Nós nem cremos que escravos outrora / Tenha havido em tão nobre País" exemplifica essa estratégia de apagamento histórico.
FONTE:
QUEIROZ, Marcos Vinicius Lustoza. Assombros da casa-grande: a Constituição de 1824 e as vidas póstumas da escravidão. São Paulo: Fósforo, 2024.
Resistências Radicais
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PERSEGUIÇÃO NO RIACHO DE AREIA

CULTOS AFRO-BRASILEIROS, BAHIA, 1940 - ARTHUR RAMOS
Embora a Constituição de 1891 garantisse o exercício pleno de cultos religiosos, a realidade do país seguiu outro rumo, marcado pela perseguição, pelo preconceito e pela criminalização das religiões de matriz africana:
"Na noite do dia 6 deste mês, o comissário de polícia cercou uma casa de candomblé no Riacho de Areia e fez uma significativa 'colheita' de devotos, incluindo o Pai do terreiro, um africano de mais de 100 anos chamado Paulino de Andrade, que veio da capital exclusivamente para presidir a cerimônia, abrir as mesas e trazer fortuna.
Na referida casa, que é de propriedade de Marcelino Manoel Brasil, subchefe dos curandeiros, foram apreendidos diversos objetos de culto, descritos como 'bugigangas e objetos de feitiçaria', incluindo um prato cheio de sangue e penas de galinha, no qual estava depositada uma pedra alongada que Marcelino declarou ser sua Santa Bárbara.
O Pai do terreiro, que já tinha em seu poder 387$, estava tratando dores de cabeça de várias moças que iam dançar naquela noite, cobrando 50$ por cada cura."
Este relato do Jornal do Comércio ilustra como, apesar das garantias constitucionais de liberdade religiosa, as religiões afro-brasileiras continuavam sendo perseguidas pelas autoridades policiais. A linguagem empregada pelo jornal - "bugigangas e objetos de feitiçaria" - revela o preconceito sistemático contra essas práticas religiosas.
A prisão de Paulino de Andrade, descrito como um africano centenário, simboliza a tentativa de criminalizar não apenas as práticas religiosas, mas também a própria ancestralidade africana. A resistência desses praticantes em manter seus cultos, mesmo sob risco de prisão, demonstra a força das tradições afro-brasileiras frente à repressão estatal.
O caso do Riacho de Areia expõe a contradição fundamental da República: enquanto a Constituição pregava a liberdade religiosa, na prática o Estado mantinha uma política de perseguição sistemática às religiões de matriz africana, evidenciando que a laicidade brasileira era seletiva e racista.
[TEXTO REESCRITO E ADAPTADO PELO EDITOR REVISOR]
FONTE:
Jornal do Comércio, n. 203, p. 3, 23 jul. 1890.
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MARIANO, Ricardo. Laicidade à brasileira. Católicos, pentecostais e laicos em disputa na esfera pública. Civitas, Porto Alegre, v. 11, n. 2, p. 238-258, maio-ago. 2011.
NOGUEIRA, Guilherme Dantas; NOGUEIRA, Nilo Sérgio. A Questão da Laicidade do Estado Brasileiro e as Religiões Afro-Brasileiras. Revista Calundu, v. 2, n.1, jan./jun. 2018.
RAMOS, Heloisa Helena Silva. A Ilusão do Sufrágio Universal na Constituição de 1891. 2007. Monografia (Especialização) – Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento – CEFOR, Câmara dos Deputados, Brasília, 2007.
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