1824
A PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO
Quem é cidadão no Brasil?

CONSTITUIÇÃO DE 1824
Após dissolver a Assembleia Constituinte de 1823, o imperador Dom Pedro I convocou uma comissão escolhida por ele para escrever um novo texto constitucional. Os conflitos com uma parcela da elite mais liberal e favorável à descentralização do poder não incluíam demandas mais populares e o texto final trouxe restrições significativas à cidadania e à liberdade de negros e indígenas. Sem que isso fosse tratado como a maior limitação do texto constitucional.
Os africanos, mesmo que libertos e sem garantia de regresso, não eram considerados automaticamente cidadãos brasileiros. Não tinham acesso às garantias constitucionais, sendo vistos como estrangeiros, apátridas. Isso os colocava em uma espécie de limbo, já que o jogo das relações internacionais não previa proteção da cidadania em seus territórios de origem. A Constituição de 1824 se destaca por não mencionar explicitamente a escravidão ou os escravizados. Quanto aos libertos, tinham apenas direitos limitados, sendo tratados como cidadãos de segunda classe. De acordo com o artigo 94 da Constituição, os libertos eram excluídos do direito de serem votados e até mesmo votar na fase decisiva dos processos eleitorais.
FONTE:
BRASIL. Constituição política do Império do Brazil. Rio de Janeiro, 1824.
Caso Juridico
01
01
O DISCURSO DE ALMEIDA E ALBUQUERQUE

PARLAMENTAR ALMEIDA E ALBUQUERQUE PELO OLHAR DE FÊNIX VALENTIM (12 ANOS)
Desde as primeiras décadas do Brasil Independente, homens negros livres libertos se mobilizaram na criação de jornais, compreendendo a importância da opinião pública nas questões sociais e políticas do país. Nesse contexto, surgiram jornais fluminenses expressivos ao longo do ano de 1833, como O Homem de Cor, Brasileiro Pardo, O Cabrito e O Lafuente. Essa ação militante continuou além da consolidação do Brasil Império, atravessando os séculos XIX, XX e XXI. Entre esses jornais, era muito comum encontrar protestos variados e frequentes que reivindicavam cidadania e liberdade para a população negra. Destacamos aqui um poema que critica a Constituinte e a escravidão no Brasil no jornal afro-pernambucano O Homem, de 1876.
Durante debate na Sessão de 25 de setembro de 1823 da Assembleia Geral Constituinte, o deputado federal Almeida e Albuquerque expôs sua visão sobre a cidadania:
“Sr. Presidente, a questão que nos ocupa é muito importante. Não se trata apenas de um nome, como disse um nobre deputado. Este capítulo fala dos membros da sociedade do Império do Brasil, ou seja, dos indivíduos que compõem a grande família brasileira. Todos sabemos o que é uma família: pais, filhos e domésticos. Esta é a mais natural e antiga de todas as sociedades, mas há diferenças entre os que a formam, e essas diferenças são grandes. O mesmo acontece na sociedade política ou na grande família. Os indivíduos que a compõem são todos membros da sociedade, mas nem todos têm as mesmas prerrogativas; nem todos são cidadãos.
A ilustre comissão fez uma divisão judiciosa das matérias, tratando neste primeiro capítulo dos membros da sociedade do Império em geral e desenvolvendo nos capítulos seguintes as diversas prerrogativas que constituem propriamente o cidadão. Quem não vê como esta divisão é simples e natural? Pretender que todos os membros da sociedade sejam cidadãos brasileiros é confundir as ideias. Seria bom que todos fossem cidadãos, mas isso é uma verdadeira quimera. Em um país com escravos, onde muitos negros arrancados da África formam parte das famílias como domésticos, é impossível não haver essa divisão. Muitos deputados querem que ser brasileiro e ser cidadão brasileiro seja a mesma coisa, mas se um cidadão brasileiro perder a qualidade de cidadão, o que ele será? Estrangeiro? A que nação pertencerá então? Ninguém dirá que ele deixa de ser brasileiro; logo, a qualidade de cidadão é mais alguma coisa.
A prerrogativa de ser cidadão sempre foi muito valorizada. Na Grécia, os libertos não eram cidadãos, nem seus filhos, mesmo que fossem gregos. Era necessário ser filho de dois naturais gregos. Às vezes, ignorava-se esta regra, como no caso de Temístocles, cuja mãe era estrangeira, mas a glória de Atenas exigia que isso fosse ignorado.
[...]
Diante de tantas razões, não devemos desvalorizar o título de cidadão brasileiro, dando-o a qualquer um. Pela Constituição da Espanha, nenhum espanhol pode gozar dos direitos de cidadão sem saber ler e escrever. Acho essa medida muito judiciosa, pois estimula a superação da ignorância, que é a verdadeira origem da escravidão. Em todos os tempos e estados, a qualidade de cidadão foi considerada muito importante, e não devemos ser indiferentes a isso. Não pretendo dificultar essa prerrogativa para ninguém. Oxalá que todos no Brasil fossem cidadãos brasileiros, mas isso é possível? Indivíduos sem certa aptidão para o bem geral da sociedade e sem qualidades morais devem gozar das mesmas prerrogativas daqueles que as possuem? O escravo africano, por exemplo, que se libertou mas não adquiriu nossos costumes ou um grau de civilização, pode ser considerado cidadão brasileiro?
Os romanos valorizavam tanto esse direito que, para estimular a coragem e o valor, tiravam a cidadania daqueles que eram capturados na guerra. Era vedado até mesmo que testassem. Essa lei, bárbara em si, incentivava o nobre cidadão a vencer ou morrer. Sustento, portanto, que não devemos alterar o artigo.
A distinção entre cidadão ativo e cidadão passivo é algo que não admito. A palavra cidadão envolve a ideia de gozo dos direitos políticos, e se queremos mudar a linguagem, devemos definir os termos para que todos nos entendam. Por que fazer essa inovação? Porque os franceses a fizeram? Não vejo que isso lhes trouxe algum benefício. Entre eles, ainda havia diferença no gozo dos direitos; a inovação foi apenas de nome. Voto, portanto, para não alterar o artigo e não confundir o simples membro da sociedade com o cidadão” (BRASIL, 1880, p. 233-234).
Esse debate mostra como a Constituição de 1824, influenciada pelas Cartas francesa de 1791 e espanhola de 1812, foi criada para manter uma estrutura social que limitava os direitos de muitos, especialmente dos pessoas negras escravizadas e libertas.
TEXTO ADAPTADO PELO EDITOR REVISOR
Resistências Radicais
01
01
MOTE

JORNAL O HOMEM: REALIDADE CONSTITUCIONAL OU DISSOLUÇÃO SOCIAL (1876)
Desde as primeiras décadas do Brasil Independente, homens negros livres libertos se mobilizaram na criação de jornais, compreendendo a importância da opinião pública nas questões sociais e políticas do país. Nesse contexto, surgiram jornais fluminenses expressivos ao longo do ano de 1833, como O Homem de Cor, Brasileiro Pardo, O Cabrito e O Lafuente. Essa ação militante continuou além da consolidação do Brasil Império, atravessando os séculos XIX, XX e XXI. Entre esses jornais, era muito comum encontrar protestos variados e frequentes que reivindicavam cidadania e liberdade para a população negra. Destacamos aqui um poema que critica a Constituinte e a escravidão no Brasil no jornal afro-pernambucano O Homem, de 1876.
MOTE
Negro livre não tem dono;
Negro livre é cidadão:
Se negro livre não [fosse],
Que [seria] da Constituição?
GLOSA
Negro é cor, como qualquer,
É distintivo das cores,
Se livre, não tem senhores
Seja homem, ou mulher:
Se alguém disputar quiser,
Teimo, aposto, e tudo abono,
E com tal jus eu [me] informo
No triunfo da verdade,
[Que em um] país de liberdade
Negro livre não tem dono.
Se não tem dono, [se é] puro
Senhor de suas ações,
Dos céus por emanações,
É cidadão, eu juro:
Tem por Deus, firme e seguro,
Os [direitos] de geração
[De] um só ente, [desse] Adão,
Que não trouxeram mil cores,
Razão porque (mil louvores!)
Negro livre é cidadão.
Se Saquaremas malvados
Nos têm por bestas de carga,
Não importa, não embarga,
Somos livres, [corajosos]!
[Da] Independência, os passados
Triunfos que, em santa hora,
O Brasil hoje memora,
Teriam sido perdidos,
Seus louros [emurchecidos],
Se negro livre não fora.
Se não fora [dessa] gente
[A coragem], o patriotismo,
O valor, o heroísmo
Contra o português valente;
Se unidos em um somente
Não imitassem Sansão;
Se não fora a união
Dos homens de várias cores,
Digam, digam, meus senhores,
Que fora a Constituição?
[TEXTO ADAPTADO PELO EDITOR REVISOR]
FONTE: MOTE. O Cascalho: jornal político, joco-serio (RJ), Rio de Janeiro, n. 4, p. 3-4, 30 mar. 1849.
Tags
Conteúdos relacionados

ARQUIVO NACIONAL. Constituição para o Império do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2024.

CAMASSA, José Bento. A Constituição de 1824 sob a ótica política contemporânea. Nexo Jornal, São Paulo, 24 de mar. 2024.

LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I, os Andrada e a dissolução da Constituinte. Almanack, [S.l.], n. 37, ago. 2024.

LYNCH, Christian Edward Cyril. A Constituinte de 1823: ideologia e historiografia. Almanack, [S. l.], n. 37, ago. 2024.
QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Assombros da casa-grande: a Constituição de 1824 e as vidas póstumas da escravidão. São Paulo: Fósforo Editora, 2024.

SLEMIAN, Andréa. O governo das províncias foi matéria constitucional na Assembleia de 1823?. Almanack, [S. l.], n. 37, ago. 2024.

#217 A Constituição de 1824 e a Escravidão (com Marcos Queiroz). Entrevistado: Marcos Queiroz. Entrevistador: David Sobreira. [S. l.]: Onze Supremos, Podcast. 22 nov. 2024. 1h25min.

CARDOSO, Rafael. Imprensa negra: 190 anos de luta antirracista ligam passado e presente. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 14 set. 2023.

GAZETA da Tarde (RJ), Rio de Janeiro, n. 43, p. 1-4, 1º jun. 1883.

GAZETA da Tarde (RJ), Rio de Janeiro, n. 197, p. 1-4, 30 ago. 1887.

O MULATO, OU O HOMEM DE COR (RJ). Rio de Janeiro, n. 1, p. 1-4, 1833.
PINTO, Ana Flávia Magalhães. Escritos de liberdade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil Oitocentista. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.

PINTO, Ana Flávia Magalhães. Gazeta da Tarde e as peculiaridades do abolicionismo de Ferreira de Menezes e José do Patrocínio. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 28., 2015, Florianópolis. Anais eletrônicos [...], Florianópolis: ANPUH, 2015.

PINTO, Ana Flávia Magalhães. Para não esquecer de lembrar: a imprensa negra do Século XIX (1833-1899). Em Tempo de Histórias, [S.l.], n.9, Brasília, 2005.

REALIDADE constitucional ou dissolução social. O Homem, Recife, n. 9, p. 1-4, 9 mar. 1876.
Anterior
Voltar para o índice
Próximo
Voltar para o índice