1830
LEGISLAÇÃO E CRIMES NO IMPÉRIO

RASGANDO O CÓDIGO CRIMINAL, INTERPRETAÇÃO DO CÓDIGO PENAL PELO OLHAR DE FÊNIX VALENTIM (12 ANOS)

GALERIA DOS CONDENADOS JOSÉ GOMES DA CRUZ, BIBLIOTECA NACIONAL
O Código Criminal de 1830 foi uma das principais produções no processo de consolidação do Brasil independente. Diferentemente da Constituição, que mencionou a escravidão apenas de forma indireta, o Código Criminal abordou explicitamente a instituição do cativeiro. Pessoas escravizadas foram consideradas sujeitos ao poder doméstico de escravistas, sendo juridicamente incapacitadas de mover ações por si mesmos e necessitando de representantes legais, os curadores, tal como mulheres e crianças.
Na seção sobre crimes, pessoas escravizadas eram identificadas como sujeitos do delito de insurreição, definido como a tentativa de obter liberdade pela força (artigos 113, 114, 115). As penas previstas incluíam açoites, galés ou pena de morte, independentemente de a liderança insurgente ser livre, liberta ou escravizada. Além disso, o artigo 179 criminalizava a “redução à escravidão de uma pessoa livre”, refletindo a constante ameaça de reescravização que gente negra livre e liberta enfrentava. Essa lei visava proteger contra prisões arbitrárias de pessoas negras livres, frequentemente colocadas em suspeição de serem escravizados fugidos.
Resistências Radicais
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LIBERDADE DO DECANO DAS OBRAS

LIBERDADE DO DECANO DAS OBRAS
Um episódio narrado por André Rebouças, nos dias 14 e 15 de maio de 1869, também ilustra a precariedade da liberdade de gente negra livre, ou seja, o permanente risco de reescravização, bem como incipientes estratégias de quem viria a ser um dos maiores abolicionistas do Brasil. Tudo começa com um pedido do Conde D’Eu que, diferentemente de André, continuava servindo ao país na Guerra do Paraguai (1864/1870). Uma ponte danificada impossibilitava o exército brasileiro de seguir seu curso; com urgência, precisavam de um instrumento, um macaco de cravar estacas, e de um operário apto a realizar esse serviço. Rebouças tem uma ideia. No mesmo dia em que leu a carta do Conde, 14 de maio, saiu à procura do Imperador. Não o encontrando, decidiu pedir o aval do Visconde de Itaborahy, de quem recebeu autorização para seguir com o plano. Ao Ministro da Guerra, Muritiba, explicou a necessidade, face ao pedido do conde, de libertar um operário apto a realizar o serviço e viajar ao Paraguai com a ferramenta necessária: “autorizou-me a tratar desta emancipação”. Em negociação com Manoel Ferreira da Costa – que, apesar de ser um “pobre açougueiro analfabeto”, era o escravista que tinha legalmente a posse de Francisco Correia da Silva –, chegaram ao seguinte acordo: a liberdade de Francisco foi comprada por 2:000$000, pagos em duas apólices de 1:000$000 e ficou o liberto obrigado a servir, por seis anos, em obras do Governo, com o salário que lhe fosse fixado. A carta de alforria provisória foi assinada por Manoel diante de duas testemunhas. Já no dia seguinte, Rebouças relatou no diário:
Escrevi ao Conde d’Eu anunciando-lhe a remessa do macaco de cravar estacas, com 15 caixotes de sobressalentes e o liberto Francisco Correia da Silva para dirigir o trabalho de reparação das Pontes do Caminho de Ferro de Assumpção. Fiz uma declaração, que mandei selar e reconhecer por Tabelião da Carta de Liberdade do operário Francisco Correria da Silva para ele levar consigo (REBOUÇAS, 1869).
No topo de uma das páginas referentes à descrição do episódio, escritas em destaque, estão as seguintes palavras: “Liberdade do decano das Obras”. Percebe-se a forma como a liberdade de Francisco precisava ser comprovada por um documento assinado diante de duas testemunhas e ainda um outro, reconhecido por um Tabelião. Rebouças, no dia 15 de maio, acompanhou o liberto ao navio, subiu a bordo e só sossegou quando deixou “tudo pronto”.
FONTE:
REBOUÇAS, André. Diário, 15 de maio de 1869. Acervo da Fundação Joaquim Nabuco
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PINTO, Ana Flávia Magalhães. Raça, abolicionismos e cidadania nos anos 1880. In:
PINTO, Ana Flávia Magalhães. Escritos de liberdade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2018, cap. 6, p. 232-233.
REBOUÇAS, André. Diário, 15 de maio de 1869. Acervo da Fundação Joaquim Nabuco.

NOTICIÁRIO. O Paiz, Rio de Janeiro, n. 78, p. 2, 20 mar. 1885.

BRASIL. Código criminal do Império do Brasil: Parte primeira: dos crimes e das penas. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1831.

FERREIRA, Ricardo Alexandre. Um julgamento, duas penas: livres e escravos nas leis e nos tribunais. In: FERREIRA, R. A. Crimes em comum: escravidão e liberdade sob a pena do Estado imperial brasileiro (1830-1888). São Paulo: Editora Unesp, 2011, cap. 3, p. 155-192.
NEQUETE, Lenine. O escravo na jurisprudência brasileira: magistratura e ideologia no segundo reinado. Porto Alegre: Revista dos Tribunais, 1988.

WESTIN, Ricardo. 1º Código Penal do Brasil fixou punições distintas para livres e escravos. Agência Senado: Rio de Janeiro, 4 dez. 2020.
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