1848
CONTROLE SOCIAL, BRANQUEAMENTO E COLONIZAÇÃO DAS TERRAS

FAMÍLIA IMIGRANTE NO CAMPO, MUSEU DA IMIGRAÇÃO
O Artigo 16 da Lei n. 514 de 28 de outubro de 1848 integra o aparato jurídico desenvolvido para a consolidação de uma política de branqueamento da população e do mercado de trabalho no Brasil. Por meio desse dispositivo, o governo concedia a cada província 26 léguas quadradas de terras devolutas destinadas exclusivamente à colonização, vedando expressamente o uso de "braços escravos" na sua exploração. À primeira vista, a norma pode parecer um incentivo à pequena agricultura livre, mas, inserida em seu contexto histórico, revela-se como um instrumento legal de caráter racista.
Isso porque o Brasil de meados do século XIX vivia intensos debates sobre o futuro do trabalho e da população negra. Em 1850, o comércio ilegal transatlântico de pessoas escravizadas foi oficialmente proibido com a promulgação da Lei Eusébio de Queirós, forçando uma "reconfiguração" da força de trabalho no campo e a "modernização" econômica do país, sob inspiração dos modelos europeus. Nesse cenário, o Estado brasileiro passou a promover ativamente a imigração europeia como solução para a "crise do trabalho".
Assim, ao reservar terras devolutas exclusivamente à colonização sem o uso de trabalhadores escravizados, o art. 16 institucionalizou a exclusão da população negra do acesso à propriedade rural. Além disso, o impedimento do uso de "braços escravos" nas colônias não representava uma defesa ética do trabalho livre, mas uma estratégia para atrair imigrantes europeus, considerados racial e culturalmente "superiores" pelas elites brasileiras.
Como a imensa maioria das pessoas negras – libertas ou em condição de escravização – não possuía recursos para comprar terras (que, a partir da Lei de Terras, só poderiam ser adquiridas por compra, vedando-se a posse como forma originária), o Estado passou a favorecer europeus brancos por meio da doação de terras, infraestrutura e incentivos. Portanto, o texto opera como um dos instrumentos jurídicos de racialização do acesso à terra, favorecendo o projeto eugenista de branqueamento, profundamente associado a uma política fundiária excludente, racializada e desigual.
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