1830
PODER DOMÉSTICO E PUNIÇÃO SENHORIAL
![Página de capa do Código Criminal do Império do Brasil, de 1830. O documento tem um layout formal, com o brasão imperial no topo, seguido de um título em letras grandes e destacadas: “Código Criminal Do Império Do Brasil”. Abaixo, está indicado “Parte Primeira”, com o subtítulo “Dos Crimes, e das Penas”. O texto introdutório menciona a promulgação da lei por Dom Pedro I, Imperador do Brasil, afirmando que o Código foi decretado pela Assembleia Geral. O documento apresenta uma tipografia serifada, com algumas palavras em negrito ou itálico para ênfase. No início do capítulo, há artigos numerados que definem crimes e penalidades, começando com a afirmação de que “Não haverá crime, ou delito […] sem que uma lei anterior o qualifique”. O fundo do documento é branco, com impressão em preto, e a página mostra sinais de envelhecimento](/assets/verbetes/ano_1830/codigo_criminal-e8a77fbcd0b0ad3c33e0c918587b4cc28c2b3c2833e3052dbebc60e08481e2e3.png)
CÓDIGO CRIMINAL DE 1830
O Código Criminal de 1830 previu algumas situações de “crime justificável”, como a legítima defesa própria, de terceiros e da própria família. Além disso, no artigo 14, parágrafo 6º, estipulava que não haveria punição quando o castigo “moderado” fosse aplicado por escravistas a pessoas que estivessem sob seu poder como escravizados. Este dispositivo reflete uma história mais antiga de legitimação jurídica do poder doméstico, que legitimava a figura de escravistas como autorizados a exercer muitos caprichos. Castigos corporais e exemplares faziam parte de uma dinâmica mais ampla de controle de pessoas escravizadas. A Coroa portuguesa e a Igreja mencionavam a necessidade de “moderação” nos castigos desde o século XVII, embora não rejeitassem sua validade. Esse dispositivo do Código Criminal de 1830 permitia que tais condutas fossem vistas como parte da ordem jurídica, mesmo que, à primeira vista, parecessem crimes previstos na legislação.
Resistências Radicais
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CASTIGOS DOMÉSTICOS E DENÚNCIAS DE JORNAIS

GAZETA DA TARDE, RIO DE JANEIRO, 12 DE OUTUBRO DE 1880
Embora a legislação da época tolerasse as punições de escravistas, muitas pessoas escravizadas não se intimidavam e procuravam mobilizar a opinião pública, denunciando os maus-tratos aos jornais ou enfrentando diretamente seus opressores, como mostram os relatos a seguir:
BARBARIAS ESCRAVOCRATAS
“Veio ao nosso escritório a preta Liberata, de 20 para 21 anos de idade, natural de Pernambuco e escrava do Sr. conselheiro Silveira Martins, queixar-se de que sofre horrorosos castigos, que lhes são infligidos por sua senhora. Tem as costas, braços e cabeça em chaga aberta. Declarou que o seu algoz, não contente de dar-lhe de chicote, castiga-a também com uma espada de prancha, para assim não aumentar o número das feridas. Ao dr. chefe de polícia remetemos a vítima de tão bárbaro cativeiro, visto ter ela declarado que não mais voltaria para a casa de sua senhora e estar sem domicílio” (Barbarias…, 1880, p. 3).
FONTE:
BARBARIAS escravocratas. Gazeta da Tarde, Rio de Janeiro, n. 81, p. 3, 12 out. 1880.
INGÊNUO ESPANCADO

INGENUO ESPANCADO
“A um dos nossos amigos, o Sr. conselheiro Albuquerque, ministro do Supremo Tribunal de Justiça, mandou apresentar anteontem às 10 horas da noite, um ingênuo em estado verdadeiramente deplorável.
O infeliz, que é uma das vítimas do cancro-escravidão, trazia os beiços e o nariz ferido, a camisa toda ensanguentada, como um documento da odiosidade fera de seu senhor, que dele fez alvo para castigo violento.
O senhor desse infeliz possui uma comenda com que costuma ornar a casaca em dias de grande gala, e chama-se José Joaquim da Silva, e além disso é tenente coronel da última fornada.
O crime da criança foi tentar opor-se ao castigo de uma escrava, que, apesar de reduzida à posição de autômato, todavia possuía ainda o pudor para não deixar saciar os desejos libidinosos de seu tirano.
Custa-nos imenso ter de vir diariamente à imprensa para relatar esses fatos, que se não se reproduzissem a todo o instante no seio da sociedade, não daríamos créditos a eles.
É um horror! Parece que uma força estranha nos conduz para um estado de coisas que terá por fim uma explosão, fazendo voar pelos ares aquelas das nossas instituições, que como verdadeiras feras esmagam sob as garras os direitos, - ainda os mais sagrados.
O menor apresentado à polícia da Corte, foi examinado, procedendo-se a interrogatório e a corpo de delito e sendo o delito classificado como o de ofensas físicas leves” (Ingênuo…, 1884, p. 2).
FONTE:
INGÊNUO espancado. Gazeta da Tarde, Rio de Janeiro, n. 23, p. 2, 28 jan. 1884.
A REAÇÃO DE BENEDITO

DE PALANQUE” DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 11 DE FEVEREIRO DE 1886
“No rio Arapixuna, município de Santarém [no Pará], o escravo Benedito agrediu seu senhor, Luiz Caetano Tapajós, não logrando matá-lo por acudirem a este” (De palanque…, 1886, p. 1).
FONTE:
DE palanque. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, n. 250, p. 1, 11 fev. 1886.
ESCRAVIZADOS ARMADOS
“Anteontem foi avisado o agente da estação da Serraria na estrada de ferro D. Pedro II, de que um grupo de escravos armados se dirigia para aquele lugar. O agente telegrafou logo para o juiz de fora, pedindo auxílio da autoridade policial, que mandou por trem especial uma força do destacamento daquela cidade.
Antes, porém, da chegada da força, o subdelegado de Serraria, reunindo alguns cidadãos, havia se dirigido ao encontro dos escravos, que com efeito encontrou a um quarto de légua dali. Intimou-os a que se entregassem e deixassem as armas.
Os escravos obedeceram sem a menor relutância à ordem daquela autoridade, confessando que tinham morto o feitor da fazenda de seu senhor Pedro Cerqueira Leite, no Paraibuna, por não terem outro meio de se livrarem dos suplícios e dos maus tratos que sofriam.
Interrogados pelo subdelegado para dizerem quem havia sido o assassino do feitor, responderam que todos eram responsáveis pelo fato, insistindo sempre nessa solidariedade.
A força que chegou pouco depois, escoltou-os para a cadeia do juiz de fora” (Noticiário…, 1884, p. 1).
FONTE:
NOTICIÁRIO. O Paiz, Rio de Janeiro, n. 30, p. 1, 30 out. 1884.
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BARBOSA, Mario Davi. Do absolutismo paterno e de tantos tribunais caseiros: direito penal e castigos aos escravos no Brasil (1830-1888). Londrina: Editora Thoth, 2021.

BRASIL. Código Criminal do Império do Brazil. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1830.
GOULART, José Alipio. Da palmatória ao patíbulo: castigos de escravos no Brasil. Rio de Janeiro: Conquista, 1971.

MELLO, Lydio Machado Bandeira de. Um código brasileiro que deve ser sempre estudado: o Código Criminal de 1830. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 26, n. 19/20, p. 11-28, maio/out. 1978.

DINDARA. Novembro Negro: entenda por que as leis brasileiras têm como base o racismo. Terra: [S. l.], 11 nov. 2022.

NADSON (Professor), J. Primeiro Código Criminal de 1830, YouTube, 22 nov. 2022. 2min22seg.

NUNES, Diego. História do Direito Penal em vídeo - Codificação do Direito Penal no Brasil Imperial, YouTube, 26 nov. 2020. 16min38seg.

PINTO, Luciano Rocha. Sobre a arte de punir no Código Criminal Imperial. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 14., 2010, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos [...], Rio de Janeiro: ANPUH, 2010.

WESTIN, Ricardo. Há 190 anos, o primeiro Código Penal do Brasil fixava punições distintas para livres e escravos. El País: Rio de Janeiro, 7 dez. 2020.
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