1865
DEPOIS QUE OS SINOS DOBRAM

IGREJA SÃO FRANCISCO DE PAULA, 1885 - MARC FERREZ
A julgar pela repressão ao Quilombo dos Palmares, entre os séculos XVI e XVII, agentes de controle social muito atuaram para cercear a circulação de pessoas negras, desde o período colonial. Sob olhares de desconfiança, vistas como verdadeiras ameaças à estabilidade da escravidão no país, gente escravizada, liberta e livres enfrentaram rotinas de violência. Não raro, em muitas cidades do Brasil, pessoas escravizadas eram obrigadas a se recolherem à noite, sob o toque dos sinos, podendo ser presas pela polícia se fossem vistas andando pelas ruas “fora de horas”, sem a autorização de escravistas expressa em bilhetes, que deveriam levar consigo. De acordo com Rafael Galante, um exemplo dessa tentativa de controle batizou um sino na área central do Rio de Janeiro: o chamado “sino do Aragão”, referência a Francisco Teixeira de Aragão, desembargador e Intendente-geral de Polícia, que, em 3 de janeiro de 1825, publicou um edital determinando toques de recolher na Corte. O documento determinava que ficava “proibido depois do toque dos sinos estar parado, sem motivo manifesto, nas esquinas, praças e ruas públicas; dar assobios, ou outro qualquer sinal: esta proibição se estende aos negros e homens de cor, ainda antes dessa hora, mas depois que anoitecer”. Neste sentido, editais, posturas municipais e outros instrumentos legais procuravam incutir na população negra a sensação de ser indesejada e malquista. Contra isso, muitos homens negros e mulheres negras desfiaram ordens, sendo recorrentemente punidos.
Em 8 de março de 1865, Eduardo Luiz da Cunha Sudré, então quarto substituto do delegado de polícia da Vila da Barra de São João, Rio de Janeiro, emitiu um decreto que demonstrava objetivamente as restrições severas impostas sobre a vida dos escravizados. Segundo o anúncio, os escravizados ficavam proibidos de circular livremente pelas estradas ou de se reunir em tavernas e estabelecimentos comerciais após as oito horas da noite, a menos que possuíssem autorização por escrito de escravistas ou administradores. Essa regra implicava uma vigilância constante sobre o movimento dos escravizados, cuja violação acarretava graves consequências. Aqueles encontrados fora do horário permitido e sem a autorização seriam punidos com cinquenta açoites, e os escravistas arcariam com as despesas decorrentes das punições. Tal norma evidenciava como a liberdade dos escravizados era rigorosamente cerceada, impedindo-os de ocupar o espaço público e restringindo suas interações sociais, controlando-os até mesmo nas poucas horas em que poderiam desfrutar de alguma convivência fora das propriedades onde trabalhavam.
FONTE:
GALANTE, Rafael. “Essa gunga veio de lá!” - Sinos e sineiros na África Centro-Ocidental e no Brasil centro-africano. 2022. Tese (Doutorado em História). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022.
EDITAES. Jornal Voz da Barra, Rio de Janeiro, n. 13, p. 3, 9 mar. 1865.
Resistências Radicais
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PRISÕES DE ESCRAVIZADOS POR CIRCULAREM FORA DE HORÁRIO PERMITIDO
Ao longo do século 19, o Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, publicou diversas notas informando sobre a prisão de pessoas escravizadas flagradas circulando fora dos horários estabelecidos pelos toques de recolher. Essa restrição à circulação, uma das várias medidas opressivas da época, visava controlar rigorosamente os movimentos não apenas dos escravizados. Abaixo, apresentamos algumas dessas notas:
Eva, escravizada por José Joaquim Teixeira de Carvalho, foi presa por estar na rua fora do horário permitido. Fonte: Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 15 de abril de 1880, p. 2.
Manoel, escravizado da Companhia do Gás, foi detido na freguesia de Santo Antônio por circular fora de horas sem bilhete. Fonte: Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1870, p. 3.
Lauriano, escravizado, foi preso pela polícia por estar na rua fora do horário permitido. Fonte: Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1860, p. 2.
Apesar das restrições, essas prisões nos fazem saber que escravizados desafiavam as normas e saíam para socializar, realizar atividades cotidianas ou buscar formas de se organizar. Essas saídas, frequentemente não autorizadas, eram uma tentativa de resistir à opressão e defender vínculos com outros escravizados e com a comunidade livre, em busca de certa autonomia dentro dos limites impostos pela sociedade da época.
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CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
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