1885
POSTURAS DE CÂMARAS MUNICIPAIS DE MINAS GERAIS


PROIBIDO BATUQUE E PROIBIDO FINGIR INSPIRADO POR POTÊNCIAS INVISÍVEIS, PELO OLHAR DE FÊNIX VALENTIM (12 ANOS)
Em meio às agitações abolicionistas da década de 1880, e sob os temores da classe senhorial de que a população escravizada abandonasse as fazendas, "desorganizando o trabalho", como costumam alegar, muitos municípios da província de Minas Gerais procuraram controlar práticas religiosas e outras manifestações culturais da população negra que habitavam seus limites jurisdicionais. Era uma tentativa de disciplinar seus corpos e suas vidas, a fim de os manterem longe das agitações que pusessem a ordem escravista sob ameaça.
As posturas definidas pela Resolução nº 3.296, de 19 de agosto de 1885, da Câmara Municipal de Dores do Indaiá, e pela Resolução nº 3.306, de 27 de agosto de 1885, da Câmara Municipal da cidade de S. José d'El-Rey, ilustram essas estratégias disciplinadoras, evidenciando o esforço para manter o status quo escravista, conforme trechos a seguir:
Resolução n. 3.296 – de 19 de agosto de 1885
Posturas da Câmara Municipal de Dores do Indaiá
Art. 73. É proibido fingir-se inspirado por potências invisíveis ou predizer casos tristes ou alegres, bem como inculcar-se curador de moléstias por meio de feitiços, orações, acionadas ou gestos; penas de prisão por quatro a oito dias e multa de dez a vinte mil réis, e o duplo na reincidência.
Resolução n. 3.306 – de 27 de agosto de 1885
Altera as posturas da Câmara Municipal da cidade de S. José d'El-Rey
Art. 82º Fica expressamente proibido:
[...]
§ 6º Fingir-se inspirado por potências invisíveis, predizendo coisas tristes ou alegres, do que possa resultar prejuízo a alguém.
§ 7º Inculcar-se curador de certas moléstias ou enfermidades, por segredo, feitiço ou orações: [...] vinte mil réis de multa e dez dias de prisão.
[...]
Art. 142º É expressamente proibido a dança do batuque ou outra qualquer, com algazarra e vozerias obscenas, de maneira que ofendam a moralidade pública ou incomode aos vizinhos: multa de dez mil réis ao dono da casa, além do desfazimento deste.
FONTE:
MINAS GERAIS. Coleção das Leis, Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais do ano de 1885. Ouro Preto, MG: Tip. de J. F. de Paula Castro, 1886.
Resistências Radicais
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QUANDO O BATUQUE RESISTE: VOZES, TAMBORES E LEIS EM CONFLITO

REGISTROS DA BAHIA, ENTRE OS ANOS DE 1940 A 1969. COLEÇÃO: MELVILLE HERSKOVITS
Durante o século XIX, práticas culturais e religiosas afro-brasileiras, como o batuque, foram sistematicamente perseguidas por meio de códigos de postura municipais. O Art. 142 do Código de Posturas da Câmara Municipal de São José d'El-Rey (MG) exemplifica esse controle ao proibir "a dança do batuque ou outra qualquer, com algazarra e vozerias obscenas", prevendo multa e desfazimento da casa. Embora essa legislação seja de Minas Gerais, proibições semelhantes eram comuns em diversas cidades do Brasil, refletindo uma política institucional de repressão à cultura negra.
Como forma de resistência, comunidades afrodescendentes mantinham essas práticas vivas, adaptando-as ou defendendo-se publicamente da criminalização. No Rio de Janeiro, por exemplo, em 16 de julho de 1889, a Sociedade Dois de Junho foi acusada pelo jornal O Paiz de promover batuques. No dia seguinte, a diretoria respondeu com veemência, declarando-se composta por "homens honestos e trabalhadores". Esse episódio ilustra as estratégias de enfrentamento simbólico e político adotadas diante da repressão. O batuque, mesmo marginalizado, permaneceu como espaço de afirmação cultural e resistência coletiva.
Na edição de 17 de julho de 1889 do mesmo jornal, a diretoria protestou solenemente contra a notícia incerta com referência a um batuque na rua do Costa. "Não somos batuqueiros; somos homens honestos e trabalhadores, que nos constituímos em sociedade, com o título acima, para comemorarmos a gloriosa data que nos dá o título."
FONTE:
O Paiz, Rio de Janeiro, p. 1, 16 jul. 1889.
O Paiz, Rio de Janeiro, p. 3, 17 jul. 1889.
POSSIDONIO, Eduardo. Entre ngangas e manipansos – A religiosidade centro-africana nas freguesias urbanas do Rio de Janeiro de fins do Oitocentos (1870-1900). 2015. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, 2015.
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