1874
RECRUTAMENTO MILITAR E PENAS CORPORAIS

CAÇADORES HENRIQUES - BIBLIOTECA NACIONAL
Conhecida como "Lei da Cumbuca", a Lei nº 2.556, de 26 de setembro de 1874, alterou o alistamento militar no Brasil. Essa lei tentou acabar com os recrutamentos forçados e estabeleceu o sorteio universal para os homens entre 19 e 30 anos. Além disso, aboliu os castigos corporais entre militares e buscou tornar a carreira militar mais atraente ao extinguir os cadetes.
Apesar de anunciada pelas autoridades imperiais como uma medida civilizatória e de profissionalização das forças armadas, a lei enfrentou grande resistência popular. Para homens livres empobrecidos, o sorteio representava uma ameaça aos modos pelos quais conseguiam se manter longe do exército, visto como um agrupamento de vagabundos. As revoltas dos "rasga-listas", como ficaram conhecidos os indivíduos que rasgavam as listas de alistamento, tornaram a lei pouco efetiva.
Na prática, os soldados recrutados, geralmente homens livres pobres, em grande parte pessoas negras, ainda sofriam castigos corporais, uma prática que só foi realmente abolida após a Revolta da Chibata, já na República, em 1910, liderada pelo Almirante Negro João Cândido.
Caso Histórico
01
CASO HISTÓRICO
TRECHO DE "BOM-CRIOULO"
Uma vez recrutados, homens negros estavam vulneráveis às violências dispensadas pelas forças armadas do Estado. A chibata era um desses instrumentos de tortura largamente utilizados para subjugá-los, o que não diferenciava em nada das agruras a que pessoas escravizadas eram submetidas no âmbito das agressões domésticas empreendidas por escravocratas. Essa violência foi retratada por Adolfo Caminha, em seu romance chamado "Bom-crioulo", publicado em 1895, no qual conta a trajetória e as relações afetivas de Amaro, homem liberto, trabalhador da Marinha.
"A chibata não lhe fazia efeito, suas costas eram de ferro, resistentes como as de Hércules diante do golpe do guardião Agostinho. Ele já nem se lembrava quantas vezes tinha apanhado de chibata.
"Uma! Contou a mesma voz: - Duas!... três!..."
Bom-Crioulo tinha tirado a camisa de algodão, exibindo seus músculos. Seus peitos eram bem salientes e suas costas negras brilhavam. Um sulco profundo e liso ía do alto ao baixo de seu dorso, mas ele nem sequer gemia, como se estivesse recebendo o mais leve dos castigos.
Entretanto, já tinham dado cinquenta chibatadas! Ninguém ouvia um gemido, nem via uma expressão de dor. Apenas viam, naquelas costas negras, as marcas do chicote, cruzando-se como uma teia de aranha, roxas e pulsantes, cortando a pele em todas as direções.
De repente, Bom-Crioulo teve um estremecimento e levantou um braço: a chibata batia em cheio nos rins, atingindo o baixo-ventre. Foi um golpe forte, dado com uma força extraordinária.
Agostinho também estremeceu, mas estremeceu de satisfação ao ver que seu golpe finalmente tinha efeito.
Marinheiros e oficiais, em silêncio, observavam cada golpe com grande interesse.
- "Cento e cinquenta!"
Só então alguém viu um ponto vermelho, uma gota de sangue deslizar pelas costas negras do marinheiro, transformando-se em uma fita de sangue.
Nesse momento, o oficial, com um telescópio, tentava ver uma sombra quase invisível que parecia flutuar muito longe no horizonte: talvez a fumaça de um navio transatlântico…
- "Basta! Impôs o comandante."
O castigo estava terminado. Ia começar a limpeza" (Caminha, 2019, p. 30-32).
[TEXTO ADAPTADO PELO EDITOR REVISOR]
FONTE:
CAMINHA, Adolfo. Bom-Crioulo. 8. ed. São Paulo: Ática, 2019.
Resistências Radicais
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O HERÓI NEGRO CONTRA A REPÚBLICA DA CHIBATA

JOÃO CÂNDIDO
A figura de João Cândido, líder da Revolta da Chibata, foi objeto de ampla cobertura jornalística na época, despertando admiração e críticas em diversos periódicos. Em editorial publicado pela Gazeta de Notícias em 26 de novembro de 1910, o marinheiro foi exaltado como um líder nato e estrategista cauteloso, capaz de comandar a esquadra com disciplina e perícia:
"Ninguém pode deixar de sentir uma grande admiração por esse marinheiro João Cândido. O que ele tem feito nesses últimos dias é simplesmente impressionante! Em primeiro lugar, ele demonstra uma vocação especial e decidida para o comando. Suas ordens ao iniciar a "reclamação" revelam um espírito perspicaz e cauteloso. A proibição do consumo de bebidas alcoólicas e a garantia da segurança dos colares de bordo são duas medidas que o consagram como um excelente comandante.
As demais disposições que ele tomou não ficam atrás: todas foram medidas acertadas e úteis para a causa dos revoltosos - ou melhor, dos reclamantes. Sem mencionar a parte técnica da navegação, em que não só João Cândido, mas também os demais marinheiros, demonstraram uma perícia sem igual. Houve, em todo esse movimento, uma grande harmonia na conduta dos reclamantes, harmonia que é, por si só, um excelente sinal.
Por tudo isso, não deixamos de admirar esse extraordinário marinheiro João Cândido. Sinceramente, se o caso atual fosse o de uma guerra com o estrangeiro e, por algum motivo, estivéssemos na mesma situação atual, com a esquadra evoluindo e agindo sob o comando de um almirante improvisado, o que diria o povo brasileiro? É inegável que, com o nosso fervor patriótico, elevaríamos João Cândido a um herói, erguendo estátuas em sua homenagem em cada esquina e batizando um quinto "dreadnought" com seu nome, aumentando assim o panteão das glórias nacionais com mais um vulto! Não é exagero, portanto, dizer que, apesar de reprovarem a revolta, muitos admiram o revoltoso pelos mesmos feitos que o transformariam em glória da pátria em tempos de guerra!".
Já o Jornal do Commercio (RJ), em sua edição de 29 de novembro de 1910, destacou a repercussão internacional da revolta, citando o jornal argentino Sarmiento, que informava a suposta origem do marinheiro como filho de um brasileiro com uma corrientina. A Tribuna, por sua vez, apontava a insubordinação como um alerta às marinhas do mundo sobre os efeitos do tratamento desumano imposto aos marinheiros: "[...] uma lição que todas as armadas do mundo deveriam aproveitar, pois tendem a tratar os marinheiros com rigor e desprezo".
[TEXTO REESCRITO E ADAPTADO PELO EDITOR REVISOR]
FONTE:
AQUI... Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, p. 4, 26 nov. 1910.
ARGENTINA. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, n. 332, p. 1, 29 nov. 1910.
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