1890
CONTROLE E EMBRANQUECIMENTO DO MERCADO DE TRABALHO LIVRE
DECRETO Nº 528, DE 28 DE JUNHO DE 1890

COLONOS ALEMÃES, EM SÃO LEOPOLDO SÉC. XX - WIKIPEDIA
O Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890, conhecido como Lei Glicério, estabeleceu regras para a entrada de imigrantes no Brasil. Naquela época, a imigração começou a ser controlada pelo Estado, e o decreto refletia as preocupações das elites brasileiras, que, com o fim da escravidão, queriam garantir que o trabalho livre fosse dominado por imigrantes europeus, considerados mais desejáveis para os interesses de embranquecimento da população e cultura brasileiras.
Nesse sentido, os artigos 1º a 4º deixam explícito que o governo brasileiro preferia imigrantes brancos e europeus, enquanto dificultava a entrada de africanos e asiáticos. Com efeito, essa lógica necessariamente implicava no embranquecimento do mercado de trabalho no Brasil, uma vez que o Estado brasileiro não só institucionalizou uma política migratória discriminatória, incentivando e subsidiando a vinda de imigrantes europeus, como também excluiu gradualmente as pessoas negras libertas e seus descendentes do acesso ao trabalho, à terra e a condições dignas de vida.
Esta política imigratória representou uma estratégia deliberada de marginalização da população negra recém-liberta, que se viu excluída das oportunidades de trabalho assalariado e acesso à terra. Enquanto imigrantes europeus recebiam incentivos, passagens subsidiadas e lotes de terra, os ex-escravizados foram sistematicamente preteridos, configurando uma das primeiras políticas públicas oficialmente racistas da República brasileira.
O impacto dessa legislação foi duradouro, contribuindo para a construção de desigualdades raciais estruturais no mercado de trabalho brasileiro e consolidando a exclusão econômica e social da população negra nas primeiras décadas republicanas.
Caso Histórico
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CASO HISTÓRICO
A CRISE DA LAVOURA

CAPA DO JORNAL O PROGRESSO: ÓRGÃO DOS HOMENS DE COR, 24 DE AGOSTO DE 1899, ONDE FOI PUBLICADA A NOTA "A CRISE DA LAVOURA". OBSERVE QUE NESTE DIA, O JORNAL CELEBRAVA LUIZ GAMA, NO 17 ANO DE SEU FALECIMENTO.
"A imprensa tem sido a porta-voz dos fazendeiros, que clamam contra a crise das lavouras nos tempos atuais. A crise na agricultura, que é a base econômica do estado de São Paulo, inevitavelmente impactará o comércio, as indústrias e as finanças do próprio Estado. Em nossa opinião, a crise da lavoura não é causada pelo excesso de produção, mas sim pelo custo do trabalho, pela falta de aptidão dos trabalhadores e pela escassez de mão de obra."
"O Estado tem gasto rios de dinheiro com a imigração, e uma quantidade enorme de europeus tem chegado às nossas terras; como, então, explicar essa aparente contradição? Muito bem, respondemos: o europeu na fazenda é um problema. O clima, o sistema de alimentação e o trabalho árduo fazem com que, após um ano de serviço, ele se retire para a cidade, tornando-se comerciante em qualquer área."
"O desprezo dos fazendeiros pelos trabalhadores negros é uma das principais causas da crise na agricultura. Após a abolição, as pessoas negras limpavam mil pés de café por 40$ anuais; hoje, os europeus cobram 80$ pelo mesmo serviço. Uma pessoa negra colhia um alqueire de café por 300 réis, enquanto hoje o europeu cobra 1000 réis. Sob todos os pontos de vista, o trabalhador negro deveria ser preferido em relação aos estrangeiros para o trabalho agrícola."
Este editorial do jornal "O Progresso: Órgão dos homens de cor", publicado em 24 de agosto de 1899, oferece uma perspectiva única sobre a chamada "crise da lavoura" paulista no final do século XIX. Escrito por intelectuais negros, o texto desmonta o discurso dominante que justificava a preferência por imigrantes europeus e revela as contradições econômicas dessa política.
O artigo demonstra como o racismo dos fazendeiros era economicamente irracional, uma vez que os trabalhadores negros ofereciam melhor custo-benefício. A análise expõe que os imigrantes europeus, além de custarem mais caro, frequentemente abandonavam o trabalho rural para se estabelecerem como comerciantes nas cidades, frustrando os investimentos estatais em imigração.
No contexto da intensificação das correntes imigratórias de trabalhadores da Europa para o Brasil, especialmente entre a década de 1880 e as primeiras décadas dos anos 1900, não foram raros as tensões e os conflitos entre os trabalhadores nacionais, muitos dos quais, pessoas negras e imigrantes. Frequentemente, o elemento racial era utilizado pelos europeus como recurso de ofensas contra os trabalhadores brasileiros, mesmo que não fosse evidenciado nos registros oficiais do Estado ou da imprensa.
[TEXTO REESCRITO E ADAPTADO PELO EDITOR REVISOR]
FONTE:
A CRISE da lavoura. O Progresso: Órgão dos homens de cor, São Paulo, n. 1, p. 4, 24 ago. 1899.
Resistências Radicais
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QUINTINO DE LACERDA E A RESISTÊNCIA NEGRA À POLÍTICA DE EMBRANQUECIMENTO

QUINTINO DE LACERDA
Quintino de Lacerda, também conhecido como Tintino, foi uma das principais lideranças negras do período pós-abolição no Brasil. Nascido em 1839 como escravizado na cidade de Itabaiana (SE), conquistou sua liberdade e estabeleceu-se em Santos (SP), onde se tornou chefe do Quilombo do Jabaquara — um dos mais importantes refúgios de pessoas negras fugidas do cativeiro na região Sudeste.
Mesmo diante das políticas públicas implementadas pelo Estado brasileiro para excluir a população negra do acesso à cidadania, ao trabalho e à terra – e que institucionalizavam o projeto de embranquecimento da sociedade –, Quintino organizou sua comunidade com base em solidariedade, autodefesa e articulação política. Foi nomeado major honorário do Exército e participou de movimentos populares e militares.
Primeira Eleição de um Vereador Negro em Santos
Em 1895, tornou-se o primeiro vereador negro eleito em Santos. Sua eleição representou um marco inédito na história política da cidade e foi resultado direto da mobilização do eleitorado negro da região, especialmente ex-quilombolas. No entanto, sua posse foi barrada por manobras racistas de seus adversários, que tentaram invalidar sua eleição.
Quintino resistiu judicialmente e garantiu o direito de assumir o cargo, presidindo inclusive a Câmara Municipal por um período. Esta vitória jurídica e política demonstrou que, mesmo em um contexto de exclusão sistemática, era possível conquistar espaços de poder através da organização política e da resistência institucional.
Legado de Resistência Política
Sua atuação política foi marcada pela defesa dos direitos dos negros e das camadas populares, contrastando diretamente com as políticas de embranquecimento que buscavam marginalizar a população negra. Quintino demonstrou que a resistência negra não se limitava aos quilombos rurais, mas se estendia às instituições urbanas e aos espaços formais de poder.
Morreu em 1898, aos 59 anos, mas seu legado permanece como símbolo da resistência negra institucional, provando que a luta por cidadania no Brasil se deu tanto nos quilombos quanto nas urnas e nas instituições formais do poder. Sua trajetória representa uma alternativa concreta às políticas de exclusão racial do período republicano inicial.
FONTE:
BERNARDES, Thais. Primeiro negro a presidir a Câmara de Santos, Quintino de Lacerda ganha nova foto, sem esteriótipos, no quadro de presidentes da Casa. Notícia Preta, [S.l.], 12 jul. 2019.
PINTO, Tania Regina. Tintino, vereador quilombola de Santos, eleito em 1895!. Primeiros Negros, [S.l.], 28 nov. 2021.
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