1891
PROIBIDO LAVAR ROUPAS
O CONTROLE DO TRABALHO FEMININO NO BRASIL REPUBLICANO

AS LAVADEIRAS ÀS MARGENS DO TAMANDUATEÍ, SÃO PAULO. GUILHERME GAENSLY (1901-1905). INSTITUTO MOREIRA SALLES
Em sessão de 28 de julho de 1891, o Conselho da Intendência Municipal do Rio de Janeiro adotou e o governo aprovou com modificações, a seguinte postura:
"Art. 1º É proibido lavar roupas em casas sem quintal, sobre telhados ou em pátios internos, onde as roupas ficam expostas ao sol.
Art. 2º Enquanto não houver lavanderias públicas, nas estalagens é permitido lavar apenas roupas dos moradores, para evitar que esses locais se tornem lavanderias particulares.
Art. 3º Os infratores desta postura serão multados de 10$000 a 20$000, com valor dobrado em caso de reincidência" (RIO DE JANEIRO, 1894).
Esse tipo de regulação mostra como as normas de "higienização urbana" e a moral pública da época se entrelaçavam, especialmente nos centros urbanos em processo de modernização pós-escravidão e pós-Império. As posturas muitas vezes eram usadas como mecanismos de controle social, atingindo de forma mais direta as camadas populares, em especial mulheres negras e pobres, que exerciam trabalhos informais como lavadeiras.
Ao proibir a lavagem de roupas em espaços privados e improvisados, o Estado limitava a autonomia dessas trabalhadoras, frequentemente sem oferecer infraestrutura adequada, como lavanderias públicas. Ao mesmo tempo, reforçava a separação entre espaços "privados" e "públicos", e entre "trabalho doméstico" e "atividade econômica".
FONTE:
RIO DE JANEIRO. Código de posturas: leis, decretos, editais e resoluções da intendência municipal do Distrito Federal, Rio de Janeiro: Tip: Mont'alverne, p. 324-325, 1894.
Caso Histórico
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CASO HISTÓRICO
LAVAÇÃO DE ROUPA SUJA
"Percebe-se logo de início que aquela população da Várzea [do Carmo, bairro da cidade de São Paulo], descrita como 'vivendo em uma promiscuidade nojosa, composta de negros vagabundos, de negras edemaciadas pela embriaguez habitual, de uma mestiçagem viciosa', quase sempre aparece carregando trouxas, cestos, tabuleiros e balaios; lavando roupas; tratando de cavalos; conduzindo carroças; ou talvez esperando carregar mercadorias em frente dos mercados.
Pela descrição de Washington Luís [ex-presidente do Brasil], esses trabalhadores e suas ocupações eram desconsiderados pois, aparentemente, para o prefeito, todos os que frequentavam ou residiam na Várzea eram julgados como 'perigosos' e tendentes a uma natural imoralidade, criminalidade e às doenças contagiosas.
Há o intento claro de relacionar pobreza ao crime e taxar certas regiões como os celeiros naturais das 'classes perigosas', misturando os que se tentava marginalizar com a marginalidade" (SANTOS, 2008).
Este relato exemplifica como as autoridades republicanas construíam narrativas racializadas sobre o trabalho urbano. A Várzea do Carmo, região central de São Paulo frequentada por trabalhadores negros, era sistematicamente criminalizada através de descrições que associavam raça, pobreza e periculosidade.
As lavadeiras, em particular, eram alvos dessa estigmatização. Seu trabalho, essencial para a cidade, era desvalorizado e suas presenças nos espaços públicos eram vistas como ameaças à ordem urbana que as elites republicanas queriam estabelecer.
FONTE:
SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Nem tudo era italiano: São Paulo e pobreza (1890-1915). 3. ed. São Paulo: Annablume, 2008, p. 97.
Resistências Radicais
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QUANDO A CIDADE LAVA AS MÃOS: LAVADEIRAS E RACISMO URBANO

CASARIO E LAVADEIRA ÀS MARGENS DO RIO TAMANDUATEÍ DE VINCENZO PASTORE, ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES
Apesar das proibições legais impostas às lavadeiras em cidades como o Rio de Janeiro, a prática da lavagem de roupas persistia nas ruas e rios de centros urbanos como São Paulo, conforme texto abaixo:
"Da Rua Glicério [rua da cidade de São Paulo] e de toda a encosta da colina central da cidade, desciam lavadeiras de tamancos, trazendo trouxas e tábuas de bater roupa.
À beira da água, juntavam a parte traseira à dianteira da saia, por um nó no apanhado da saia, a qual tomava aspecto de bombacha. Sugavam-na pela parte superior, amarravam-na à cintura com barbante, de modo a encurtá-la até os joelhos ou pouco acima, tomando agora o aspecto de calção estofado.
Deixavam os tamancos, entravam n'água e debruçavam-se sobre o rio, sem perigo de serem mal vistas pelas costas" (AMERICANO, 1957).
Este relato de Jorge Americano revela como as lavadeiras desenvolveram estratégias práticas e simbólicas para exercer seu trabalho apesar das restrições legais. A descrição detalhada de como adaptavam suas roupas demonstra tanto a engenhosidade dessas trabalhadoras quanto a forma como precisavam negociar questões de decoro e moralidade pública.
A persistência da prática nas margens dos rios urbanos representava uma forma de resistência cotidiana ao controle estatal sobre os corpos e o trabalho das mulheres negras. Ao continuar exercendo sua profissão nos espaços públicos, essas trabalhadoras afirmavam seu direito à cidade e à subsistência, desafiando as tentativas de invisibilização e marginalização promovidas pelas autoridades republicanas.
A imagem fotográfica de Vincenzo Pastore documenta essa resistência, mostrando uma lavadeira solitária às margens do Tamanduateí, cercada por suas roupas estendidas - uma presença que desafiava silenciosamente as tentativas de "higienização" e embranquecimento do espaço urbano paulistano.
FONTE:
AMERICANO, Jorge. São Paulo naquele tempo: 1853/1915. São Paulo: Ed. Saraiva, 1957.
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BORBA, Bárbara Lustoza da Silva. Ocupações e resistências negras na São Paulo do século XIX: Várzea do Carmo e Largo do Rosário. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História, Universidade de São Paulo, 2013.
CHALHOUB, Sidney. Classes perigosas. Trabalhadores, n. 6, 1990.
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. 3 ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2012.

CINEMA SEM FIM. FILHAS DE LAVADEIRAS | Edileuza Penha de Souza. YouTube. 22 out. 2020. 3min10seg.
FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, Moleques e Vadios na Bahia do Século XIX. São Paulo: HUCITEC; Salvador: EDUFBA, 1996.
PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cotidiano e sobrevivência: a vida do trabalhador pobre na cidade de São Paulo, 1890-1914, São Paulo: Edusp, 1994.
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