1903

Escola ou prisão?

O QUE O BRASIL PENSOU PARA JOVENS E CRIANÇAS NA PRIMEIRA REPÚBLICA?

Fotografia em preto e branco de 1979. Em primeiro plano, uma criança negra, vestida com um macacão branco com o logotipo 'Esso' no peito, está encostada em um tronco de árvore pintado de branco, segurando-o com os braços e levando a mão à boca, com expressão pensativa ou tímida. A criança está descalça, em pé sobre a grama. Ao fundo, outras duas crianças, também negras, correm e brincam, desfocadas em movimento. Todas estão em um ambiente externo, com gramado e piso de cimento. A imagem foi registrada durante uma festa de Natal promovida pela FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor), no Rio de Janeiro, e tem o carimbo do 'Jornal do Brasil' no verso.

FESTA DE NATAL PARA AS CRIANÇAS DA FUNABEM NO RIO DE JANEIRO, JORNAL DO BRASIL 1979

A Escola Correcional Quinze de Novembro foi fundada em 3 de dezembro de 1899, destinada a recolher, por ordem do chefe de polícia ou do juiz criminal, os menores "viciosos", órfãos sem recursos e menores de 9 a 14 anos julgados culpados por crime ou contravenção, desde que demonstrassem 'discernimento', conforme previsto no Código Penal da época.

Seu primeiro regulamento foi instituído pelo Decreto n.º 4.780, de 2 de março de 1903, sob o argumento de que a instituição não vinha cumprindo plenamente sua missão, que consistia em: "velar sobre os menores, que, pelo abandono ou miséria dos pais, viviam às soltas e expostos à prática e transgressões próprias de sua idade".

Assim, a escola justificava sua existência com base em um suposto caráter preventivo, centrado em práticas pedagógicas e na formação profissional, em contraposição ao modelo puramente punitivo. Apesar do discurso aparentemente benévolo, a escola correcional desempenhou um papel central na repressão, no controle social e na criminalização de crianças negras, funcionando como um mecanismo de encarceramento precoce.

A legislação em questão recaía especificamente sobre crianças de 9 a 14 anos. Após a abolição, muitos libertos se viram obrigados a ingressar em um mercado de trabalho extremamente precarizado, o que levou a um êxodo em massa da zona cafeeira para os centros urbanos. Esse movimento migratório, somado aos incentivos à imigração europeia, provocou um aumento expressivo da população nas capitais, acirrando disputas por trabalho e espaços e contribuindo para a estigmatização da juventude negra e pobre.

O crescimento desse contingente agravou a precariedade na capital, marcada por alto custo de vida na cidade, surtos epidêmicos, escassez de habitações e subempregos. Nesse contexto, crianças e adolescentes se viram obrigados a trabalhar em serviços pesados em troca de remuneração irrisória ou a vagarem pelas ruas, pedindo esmolas e cometendo pequenas infrações.

FONTE:

PESSOA, Gláucia Tomaz de Aquino. Escola Correcional Quinze de Novembro, MAPA – Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, maio 2018.

Caso Histórico

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CASO HISTÓRICO

"PIVETES E VAGABUNDOS DA PIOR ESPÉCIE"

Em 11 de março de 1903, entraram em vigor os novos regulamentos da Casa de Detenção e da Escola Correcional Quinze de Novembro, com a posse dos respectivos funcionários. Na ocasião, 40 menores – descritos como "pivetes e vagabundos da pior espécie" – foram transferidos da Casa de Detenção para a Escola Correcional, evidenciando a criminalização da infância pobre.

O chefe de polícia, Dr. Cardozo de Castro, solicitou apoio militar para o policiamento interno do local. No mesmo dia, às 17h, no cais Pharoux, 26 reclusos da Casa de Correção foram embarcados com destino à Colônia Correcional de Dois Rios, sob supervisão direta da chefia de polícia.

O episódio ilustra o processo de institucionalização repressiva e o fortalecimento das políticas penais e de controle social da República, especialmente voltadas à população preta e marginalizada.


FONTE:
A POLÍCIA. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 70, p. 2, 11 mar. 1903.

TEXTO REESCRITO E ADAPTADO PELO EDITOR REVISOR

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Educar para libertar

Colégio São Benedito

Fotografia em preto e branco de um antigo prédio histórico com fachada colonial. À esquerda, vê-se uma construção de um andar, com quatro grandes janelas em arco e uma porta com moldura arredondada. As janelas têm grades e caixilhos de vidro. O telhado é de telhas cerâmicas, e uma pequena torre ou campanário se eleva acima da construção principal. À direita da imagem, há um muro baixo e vegetação ao fundo. A calçada acompanha o contorno da construção. A imagem tem aspecto granulado, típico de impressões antigas. Trata-se do antigo prédio do Colégio São Benedito, situado na Avenida Moraes Salles.

COLÉGIO SÃO BENEDITO

Logo após a Abolição da Escravatura, enquanto o Estado erguia instituições como a Escola Correcional Quinze de Novembro para controlar e punir crianças negras sob o pretexto de regeneração moral, movimentos negros organizavam uma resposta concreta: a criação de escolas próprias, centradas na alfabetização, cidadania e valorização da identidade negra.

Em 1888, a Sociedade Beneficente Luiz Gama fundou um colégio que funcionou até 1895. Poucos anos depois, em 1902, o educador negro Francisco José de Oliveira fundou uma escola voltada à alfabetização de pessoas negras, consolidada em 1903 como Colégio São Benedito. A partir de 1910, o colégio integrou-se à Federação Paulista dos Homens de Cor, fortalecendo ainda mais seu compromisso com a formação da juventude negra.

Outras iniciativas surgiram como sementes de resistência: a Escola Progresso e Aurora, fundada em 1908 pelo abolicionista Salvador Luís de Paula, adotou classes mistas em 1919, desafiando a segregação racial vigente, e a Escola Raimundo Duprat, de 1917. Essas instituições, embora enfrentassem enormes dificuldades financeiras, representaram espaços de autonomia e construção coletiva diante do Estado racista.

Em vez do cárcere, a sala de aula. Em vez da punição, o saber. Essas escolas foram pilares de um projeto insurgente: educar para libertar, formando gerações negras conscientes de sua história, seus direitos e seu valor.

FONTES:
FANTINATTI, J. M. Personagem: 1902 - Francisco José de Oliveira. Pró-Memória de Campinas-SP, Campinas, SP, 4 nov. 2006.

JESUS, Fernando Santos de; SILVA, Erivelton Thomaz da; MEDEIROS, Fabrícia Cristina Araújo de Souza. O movimento negro e a educação na primeira metade do Século XX. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, [S.l.], v. 8, n. 10, p. 86-104, out. 2021.

SILVA, Lúcia Helena Oliveira. Associativismo dos negros: a Federação Paulista Homens de Cor(1910-1936). Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas, Campinas, SP, 17 ago. 2020.

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