1823

Assembleia Constituinte de 1823

LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE PARA HOMENS BRANCOS

Ilustração em preto e branco do interior da Cadeia Velha, que abrigou a Assembleia Constituinte do Brasil em 1823. O desenho mostra uma sala grande com teto côncavo e várias colunas ao longo das paredes laterais. No centro da sala, há uma mesa em formato de 'U' ocupada por diversas pessoas com vestimentas masculinas, o que sugere serem todos homens. Alguns deles estão sentados, enquanto outros estão em pé, possivelmente discutindo ou apresentando algo. Nas galerias superiores, há mais pessoas assistindo ao que acontece na parte inferior. A ilustração apresenta um estilo detalhado, com atenção aos elementos arquitetônicos, como as colunas e os arcos.

Cadeia velha, constituinte 1823. Ilustração notices of brazil in 1828 and 1829. Câmara dos deputados do brasil.

A Constituição de 1824 expressa o desfecho dado por segmentos politicamente hegemônicos aos conflitos entre diversos setores da sociedade e o autoritarismo do imperador Dom Pedro I. Parte das elites pressionava pela chegada do constitucionalismo ao Brasil, enquanto revoltas populares, inspiradas também na Revolução Haitiana, demandavam igualdade e um novo pacto político e social.

Em junho de 1822, foi convocada a Assembleia Constituinte de 1823, reunindo deputados que representavam as elites locais. Para eles, a liberdade e a igualdade eram possibilidades a serem manejadas com cautela e dureza. Durante os debates, muitos argumentavam contra a liberdade plena para a população e a favor de uma liberdade constitucional que restringia os direitos da maioria. O texto elaborado pela Constituinte nunca foi promulgado, pois o imperador dissolveu a Assembleia de forma autoritária em 12 de novembro de 1823. Porém, não se pode dizer que tenha ido na contramão dos interesses dos privilegiados até então.

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Constituídos pelo medo

Medo do Haitianismo

A obra 'Revolução Haitiana - Negros assassinando civis brancos' traz uma ilustração em preto e branco, onde na cena, homens negros, vestidos de forma simples, atacam civis brancos com armas improvisadas, como pedaços de madeira. No centro, um homem negro segura um homem branco pelo cabelo enquanto atrás outro homem negro ergue um pedaço de madeira para atacar os civis. Ao redor, há corpos de civis brancos caídos no chão, pessoas fugindo e prédios em chamas ao fundo.

Negros Haitianos Assassinando Policiais Brancos (WIKIMEDIA)

Um exemplo desse temor pode ser visto no discurso de Muniz Tavares, na Sessão de 30 de setembro de 1823 da Assembleia Geral Constituinte:

"Muniz Tavares: - Sr. Presidente, eu não me levanto tanto para falar sobre a matéria como para se conservar a ordem. Eu julgo conveniente que este artigo [que concede cidadania aos libertos] passe sem discussão, lembra-me que alguns discursos de célebres oradores da assembleia constituinte da França produziram os desgraçados sucessos da Ilha de S. Domingos, como afirma alguns escritores que imparcialmente falaram da revolução francesa; e talvez entre nós alguns Srs. Deputados arrastados de excessivo zelo a favor da humanidade, expusessem ideias, que antes convirá abafar, com o intuito de excitar a compaixão da assembleia sobre essa pobre raça de homens, que tão infelizes são só porque a natureza os criou tostados" (Brasil, 1880, p. 203-204).

Esse medo do haitianismo se manifestou além da Constituinte. Em 1846, o "Divino Mestre", como era chamado Agostinho José Pereira, foi preso em Recife, por pregar nas ruas ideias que pareciam para as autoridades uma apologia à revolução, inspiradas no Haiti.

Abaixo está o ABC do Divino Mestre, obra pregada em alta voz por Agostinho Pereira:

FONTE: BRASIL. Sessão de 30 de setembro de 1823. In: BRASIL. Anais da Assembleia Geral Constituinte do Império do Brasil - 1823. Rio de Janeiro: Typographia de Hyppolito José Pinto, v. 5, p. 203-204, 1880.

Versos do Divino Mestre

A obra 'Versos do Divino Mestre', por Fênix Valentim, retrata um desenho colorido de um homem negro, que representa Agostinho José Pereira, sentado em uma mesa de madeira, escrevendo em um pedaço de papel. Ele tem cabelo crespo, longo, preso parcialmente para trás, e uma expressão um pouco triste. Sua barba é curta e bem delineada. O homem veste uma camisa verde com botões pretos. A imagem tem um fundo branco sem outros detalhes, dando destaque ao homem, que parece concentrado em sua escrita.

Divino Mestre pelo olhar de Fênix Valentim (12 anos)

Espírito Santo

Folha 1 frente

A linda Nobre cor morena
Degradou no Brasil
Há mais de 300 anos
Muito breve terá fim
Brada o Deus e geme a terra
Dever tanta ingratidão
Que fazem com os morenos
Tendo tanta estimação
Como nação poderosa!!!
Desde o princípio do mundo
Gozavam da liberdade
Com o prazer mais profundo
Do Egito Segundo Moisés
Vinde logo libertar
Que já pagamos o crime
De nossos antigos Pais
Herdeira pela natureza
De digna estimação
Desta nobre cor morena
O primeiro foi Adão
Ferozes nações produzidas
Desta nobre cor morena
Abraão foi a Segunda
E Índios assim também
Queiram a nação tão poderosa
De morenos e Africanos

Folha 1 verso

A linda Nobre cor morena
Degradou no Brasil
Dentro do pelo da cana
Homens sem humanidade
Lembra-te do futuro
Dá liberdade aos morenos
E temei a uma nuvem escura
Jurastes a constituição
Para mais condenação
Que só pede gente livre
E nós na escravidão
Lá do centro do Sertão
Virá a nossa liberdade
Pelo que vós haveis sido
Agora tão desprezados
Meios mais não acharão
Para serem vencedores
Fácil é serem sujeitos
De quem já foram senhores
Não se pode duvidar
Pois bem mostra a experiência
Que no princípio do Mundo
Os Reis eram morenos
Oh! grande é a cegueira
Desta gente Brasileira
Não olha para o Haiti
E para a América Inglesa

Espírito Santo

Folha 2 frente

Podem viver contentes
Os morenos desprezados
Que muito breve verão
Como são tão desejados
Que quiseram e não puderam
Negar a sua liberdade
Para conhecerem os direitos
Que os Homens se fizeram
Arrasarão certas nações
Mais nenhuma os vencerão
Ficará a cor morena
De coroa e cetro na mão
São tão certas as experiências
Que nos dá a entender
Que dos morenos
Foi que Cristo quis nascer
Também nossos antepassados
Quando gozaram ilustre liberdade
Não faziam como eles
Que nos trazem tão desprezados
Vós de Deus, e suas promessas
Ainda não voltam atrás.
Devemos declarar a todas as Nações do Mundo
Que moreno dominará
Haverá sobre os morenos
Raios de Divindade

Folha 2 verso

Por ser a primeira gente
Que no mundo foi formada
Zombarão certas gentes
De nossas tantas dignidades
Pela sua presunção
Tomam por caçoada
Findaremos a verdade
Desta nova aparecida
A favor da cor morena
Do verdadeiro Messias

[TEXTO ADAPTADO PELO EDITOR REVISOR]

FONTE:
CARVALHO, Marcus Joaquim Marciel de. "Fácil é serem sujeitos, de quem já foram senhores": o ABC do Divino Mestre. Afro-Ásia, Salvador, n. 31, p. 327-334, jan. 2004.

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