1871
VENTRE LIVRE?
A FALSA LIBERDADE
LEI DO VENTRE LIVRE, PELO OLHAR DE FÊNIX VALENTIM (12 ANOS)
A Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871, conhecida como “Lei do Ventre Livre”, reconheceu como ingênuos, ou seja, livres, os filhos de mulheres escravizadas. Esta legislação dava aos escravistas que tinham legalmente posse sobre essas mulheres a escolha de ficar ou não com as crianças. Se decidissem permanecer com os ingênuos — o que ocorreu na maioria das vezes —, os escravistas poderiam explorar a força de trabalho de crianças e jovens até os 21 anos de idade. Se optassem por entregá-los ao Estado, separando-os de suas mães, receberiam uma indenização de 600 mil réis. Na prática, a vida dos filhos das escravizadas não era muito diferente da vida de suas mães.
Além disso, essa lei formalizou práticas já comuns na sociedade escravista brasileira, como a possibilidade de os escravizados reunirem dinheiro, seja de seu próprio trabalho, seja de doações, legados e heranças, para comprar sua alforria. A lei também determinava a matrícula de todos os escravizados e filhos de escravizadas do país, além de estabelecer fundos de emancipação, que reuniam dinheiro de multas, impostos, loterias, taxas, doações, legados e cotas, destinados à libertação da população escravizada, seguindo uma ordem pré-estabelecida.
Por outro lado, havia uma preocupação com o controle da vida dos libertos. Isso é evidente no artigo 6º, parágrafo 5º da lei, o qual determinava que os ex-escravizados fossem vigiados pelo governo e poderiam ser obrigados a trabalhar em estabelecimentos públicos se fossem considerados vagabundos. Não é demais lembrar que a matrícula serviu para anistiar crimes de escravidão ilegal praticados à revelia da Lei Feijó, de 1831 , e outros dispositivos legais de combate ao tráfico transtlântico de gente escravizada.
Caso Histórico
01
02
02
CÓDIGO DE MENORES DE 1927 (CÓDIGO MELLO MATTOS)
O Código de Menores de 1927, elaborado por José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, foi a primeira legislação brasileira voltada especificamente à assistência e proteção de crianças e adolescentes, especialmente os pobres, abandonados e considerados delinquentes. Inspirado por ideais higienistas e por legislações internacionais, o Código estabeleceu a criação de instituições específicas, proibiu o trabalho infantil em certas faixas etárias e permitiu a destituição do pátrio poder em casos de negligência ou abuso.
Embora tenha sido visto como um avanço social à época, recebeu críticas por tratar apenas a infância pobre como objeto de intervenção estatal, reforçando a associação entre pobreza e criminalidade. Ao longo das décadas, essa abordagem excludente motivou debates e reformas, culminando na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, que rompe com a visão "menorista" ao reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos plenos de direitos, independentemente de classe social.
Resistências Radicais
01
02
03
01
FOI UMA ILUSÃO, ADMITE ANDRÉ REBOUÇAS, O CLAMOR ALIVIADO DOS ABOLICIONISTAS
CHARGE SOBRE O PROJETO DA LEI DO VENTRE LIVRE PUBLICADA NA SEMANA ILUSTRADA/BIBLIOTECA NACIONAL
O abolicionista André Rebouças critica ferozmente a aplicabilidade da Lei do Ventre Livre em sua obra Abolição Imediata e Sem Indenização (1883), destacando a continuidade das crueldades contra mulheres escravizadas e seus filhos. Ele denuncia a exploração das amas de leite e a violência nas senzalas, como infanticídios e abortos, silenciadas e, consequente, agravadas pela cumplicidade da sociedade e da justiça. A lei, segundo Rebouças, falhou ao não extinguir completamente o cativeiro, permitindo fraudes, como a venda de crianças e a manipulação de registros. As parteiras, frequentemente corruptas, contribuíam para esse ciclo de abusos, perpetuando o sofrimento das mulheres escravizadas e suas crianças, que viviam em condições desumanas. A abolição, como ilustra o título do seu texto, deveria ser imediata e sem qualquer indenização.
Foi uma ilusão, ele admite, o clamor aliviado dos abolicionistas, quando do dia 28 de setembro de 1871: “ninguém mais nasce escravo no Brasil”. As fraudes foram as mais diversas. Além da corrupção envolvendo o Fundo de Emancipação, os escravocratas alteravam as idades dos africanos escravizados, substituíam mortos por vivos e “fizeram dos livros das matrículas uma nova Costa d’África”. A “pirataria em torno dos berços” seguiu intacta.
Tags
Conteúdos relacionados
A Mulher Brasileira é escravocrata?. Gazeta da Tarde, 16 de janeiro de 1884
ALVES-MELO, Patricia. Ventre Livre: como o Brasil minou o direito de ser mãe de mulheres negras. Coluna Presença Histórica/UOL, 28 de setembro de 2022.
MIRANDA, Bruno. A Lei do Ventre Livre e a administração do tempo histórico no Império do Brasil. Anais do Museus Paulista, São Paulo, Nova Série, vol. 31, 2023, p. 1-31.
FELISBERTO, Lucimar. Mulheres de Luta: As Mães dos ingênuos por força da Lei de 1871. Coluna Nossas Histórias, Rede de HistoriadorXs NegrXs, Geledés e Cultne, 23 de setembro de 2020.
NAJARA, Aline. O medo do ventre livre: o que fazer com os negros?. Coluna Nossas Histórias, Rede de HistoriadorXs NegrXs, Geledés e Cultne, 30 de setembro de 2020.
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a lei de 1871. Campinas, SP: Unicamp, 2001.
RONCHI, Isabela Zanette. A maternidade e o cárcere: uma análise de seus aspectos fundamentais. Porto Alegre: PUCRS, 2017.
TV SENADO. Senado na História - A Lei do Ventre Livre. YouTube, 16 jul. 2014, 12min22seg.
WESTIN, Ricardo. Fazendeiros tentaram impedir aprovação da Lei do Ventre Livre. Arquivo S/Agência Senado, 10 de setembro de 2021.
Anterior
Voltar para o índice
Próximo
Voltar para o índice