1890
CÓDIGO DE POSTURAS DO RIO DE JANEIRO REPUBLICANO
DECRETO Nº 50-A, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1889

O CORTIÇO CABEÇA DE PORCO, BIBLIOTECA NACIONAL
O Conselho da Intendência Municipal da capital federal, exercendo as atribuições conferidas pelo parágrafo 6º do artigo 1º do Decreto nº 50-A, de 7 de dezembro de 1889, aprovou e promulgou um novo Código de Posturas para a cidade do Rio de Janeiro. Este novo conjunto normativo contém diversas disposições que evidenciam práticas de controle social direcionadas à população negra, refletindo, em seu conteúdo, dinâmicas de exclusão e discriminação racial. A seguir, destacamos algumas dessas normativas.
Título I: Higiene e saúde pública
SEÇÃO 7ª: Cortiços, estalagens e cozinhas para operários e classes menos favorecidas.
Art. 140. É proibida a construção de cortiços e outras habitações precárias nas áreas urbanas para a população de baixa renda, inclusive em quintais. Penalidade: multa de 30$ e obrigação de demolir a construção.
Art. 145. Cortiços e estalagens devem ser demolidos ou reformados dentro de um ano conforme o código. Caso contrário, a demolição será feita pela municipalidade, às custas do proprietário.
SEÇÃO 9º: Fábricas, oficinas, manufaturas e outros estabelecimentos industriais, incômodos, insalubres e perigosos.
Art. 158. É proibido criar estabelecimentos perigosos, incômodos ou insalubres nas áreas urbanas. Penalidade: prisão por oito dias e fechamento imediato do estabelecimento.
Título II: Polícia e Segurança Pública
SEÇÃO 2ª: Objetos nas janelas e telhados, andaimes, barraquinhas, quiosques, obstrução das ruas, praças e logradouros públicos, lavagem de animais, animais soltos, balões aerostáticos, foguetes, buscapé e outras peças de fogo de artifício, judas.
Art. 203. É proibido manter ou depositar objetos nas vias públicas e estacionar para vender produtos nos passeios laterais. Penalidade: multa de 10$ e o dobro na reincidência, com os objetos recolhidos e devolvidos após pagamento de impostos, multas e despesas.
SEÇÃO 4ª: Vozerias nas ruas e praças, injúrias, obscenidades, atos contra a moral, tocatas, ajuntamentos, batuques, zungús, cartomancia e adivinhação, curativos por meio de imposturas.
Art. 250. É proibido fazer vozerias, alaridos e gritos nas ruas, exceto por necessidade ou para chamar socorro. Penalidade: multa de 5$ e o dobro na reincidência.
Parágrafo único. Se as palavras forem obscenas ou ofensivas, a pena é de oito dias de prisão e multa de 30$, dobrada na reincidência.
Art. 256. É obrigatório transitar nas vias públicas decentemente vestido. Penalidade: multa de 10$ e prisão de quatro dias, dobrada na reincidência.
Art. 257. É proibido ajuntamentos para tocatas, danças e cantares em casas de bebidas e tavernas. Penalidade: multa de 30$ ao dono do estabelecimento e 10$ a cada participante, convertida em quatro dias de prisão se não paga.
Parágrafo único. Estabelecimentos com licença especial da Intendência para canto e música são exceções.
Art. 259. É proibido realizar batuques com tambores, cantorias e danças em casas ou chácaras. Penalidade: multa de 10$, dobrada na reincidência.
Art. 260. Não são permitidas as casas chamadas "zungús". Os donos e responsáveis serão multados em 20$ e presos por oito dias, com multa de 30$ e prisão de 30 dias na reincidência. Instrumentos e materiais usados para feitiçaria serão apreendidos e destruídos.
Parágrafo único. A prática de cartomancia e outras adivinhações é proibida. Penalidade: multa de 30$ e prisão de até oito dias, dobrada na reincidência.
Seção 5ª: Negócios fraudulentos; vadios, tiradores de esmolas; rifas e loterias; mendigos; carregadores.
Art. 266. Adultos que vagarem pelas ruas sem ocupação serão presos por 3 dias. Menores serão encaminhados ao juiz de órfãos para definição de destino.
Art. 267. Pedir esmolas é proibido. Penalidade: prisão em flagrante e multa de 10$. Se a multa não for paga, a detenção pode durar até quatro dias.
FONTE:
CÓDIGO de posturas (continuação). Jornal do Commercio (RJ). Rio de Janeiro, n. 44, p. 2-3, 13 fev. 1890.
Resistências Radicais
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"ENTÃO-ACOMPANHE-ME, NO DEBOCHE CARIOCA"
Em 1893, o jornal Diário de Notícia publica a seguinte nota:
"Um tocador de violão estava preludiando no Largo do Rocio quando um rondante o interroga.
Tem licença para tocar nas ruas?
Não, senhor.
Então, acompanhe-me.
Com muito gosto. O que quer cantar?
Não é isso. Acompanhe-me até à estação".
Esta anedota publicada no jornal revela como a população carioca, especialmente os músicos de rua, encontrava formas criativas de resistir às rígidas normas do Código de Posturas. O mal-entendido entre o rondante e o músico expõe não apenas o humor popular, mas também a tensão entre as tentativas de controle social e a persistência das manifestações culturais nas ruas do Rio de Janeiro republicano.
O episódio ilustra como a música popular, frequentemente associada às classes trabalhadoras e à população negra, era alvo constante da repressão policial. Ao mesmo tempo, demonstra a sagacidade e o senso de humor que caracterizavam as estratégias de sobrevivência e resistência cultural no cotidiano urbano.
FONTE:
AQUI e acolá. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, n. 2.858, p. 2, 14 maio 1893.
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