1850
A DERRADEIRA LEI DE PROIBIÇÃO DO TRÁFICO

EUSÉBIO DE QUEIRÓS COUTINHO MATTOZO CAMARA, POR SEBASTIEN AUGUSTE SISSON. RIO DE JANEIRO, 1861
A Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850 , estabeleceu medidas mais rigorosas contra o tráfico de africanos para o Brasil, retomando e atualizando compromissos assumidos sobretudo desde os anos 1820, com destaque para a Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831. A nova lei expressava, a um só tempo, o reconhecimento de que o país havia se beneficiado do descumprimento de sua própria legislação, ao promover até mesmo a intensificação do tráfico nas décadas anteriores, e os constrangimentos impostos pela Inglaterra. Durante a década de 1840, as tensões diplomáticas entre as duas nações aumentaram, culminando no Bill Aberdeen, lei que concedeu, às autoridades britânicas, amplos poderes para reprimir o comércio ilegal.
As autoridades brasileiras consideraram essas medidas inglesas como uma afronta à soberania nacional. Mesmo assim, o gabinete saquarema (conservador) decidiu ceder às pressões estrangeiras, apesar dos protestos dos grandes fazendeiros, especialmente os cafeicultores das províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, que estavam em plena expansão da produção de café.
Com a Lei nº 581, o tráfico de escravizados passou a ser considerado pirataria, impondo punições mais rigorosas aos envolvidos, como a apreensão das embarcações. A lei também determinava o reenvio dos africanos ao seu país de origem ou, caso isso não fosse possível, o emprego deles em atividades sob tutela do governo, proibindo a concessão de seus serviços a particulares. Essa possibilidade anistiou os crimes de muitos escravistas.
Relatório sobre a Lei de 1850
Em 1º de março de 1853, João Maurício Wanderley, então presidente da província da Bahia, relatou à Assembleia Legislativa provincial que:
“No ano que acaba de findar-se, não deu-se nesta província um só caso de desembarque de africanos: as ordens expedidas pelo governo para obstá-los são as mais severas, e conto que serão estritamente cumpridas. Os continuados cruzeiros em que estão os vasos que compõem a nossa estação, e a organização da 6ª companhia de polícia destinada à guarnecer as comarcas do sul, tornarão mais arriscada qualquer especulação que intentem os aventureiros, os quais fora do Império não descansam. Não é possível que em um litoral tão extenso, e em parte deserto, como o nosso, se evite absolutamente algum desembarque; mas posso afirmar-vos que a perseguição do contrabando e seus autores não falhará, qualquer que seja o lugar, em que aquele e estes se abriguem”.
FONTE: WANDERLEY, João Maurício. Fala recitada na abertura da Assembleia Legislativa da Bahia pelo Presidente da Província, o Doutor João Maurício Wanderley, na abertura da Assembleia Legislativa da mesma província no 1˚ de março de 1853. Salvador: Typ. Const. de Vicente Ribeiro Moreira, 1853, p. 82.
TEXTO ADAPTADO PELO EDITOR REVISOR
Resistências Radicais
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"MALUNGU, NGOMA VEM!" - REPERCUSSÕES E DEBATES
O Correio da Tarde, de 9 de agosto de 1851, ressaltou a perseguição ao tráfico pela ação do governo:
“[...] repete que o governo atual tem perseguido o tráfico leal e energicamente, e dado todas as provas de que tem a peito cumprir os tratados, mas se tem assim empregado a ação material, não tem empregado a ação moral que tirasse todo o pretexto à Inglaterra, procurando fazer com que se legitimem fatos que a lei de 1831 qualificou de crimes, e ao depois cair em desuso, vindo a aparecer no país uma classe nova na população [provavelmente referência aos africanos que seriam livres pela lei de 1831 e que eram, na prática, escravizados], e estranha à mesma lei, o que exige a maior atenção, e algum ato do corpo legislativo e do governo brasileiro” (CORREIO…, 1851, p. 3).
De acordo com Beatriz Mamigonian, em Lorena, o líder da insurreição era Agostinho, um escravizado nascido no Brasil, que “sabia ler e escrever e foi reconhecido por todos como ‘muito sagaz’”. O juiz de Lorena relatou que o plano envolvia tomar armas e conquistar a liberdade por meio da força com a ajuda dos ingleses, aproveitando-se da dívida do Brasil com a Inglaterra e do fim do tráfico de gente africana.
Robert Slenes acrescenta que os escravizados planejavam envenenar senhores e feitores, matando os brancos e coroando um rei negro.
[TEXTO ADAPTADO PELO EDITOR REVISOR]
FONTES:
CORREIO DA TARDE, Rio de Janeiro, n. 1.037, p. 3, 9 ago. 1851.
MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 216-219.
SLENES, Robert Wayne. ‘‘'Malungu, Ngoma Vem!’: África Coberta e Descoberta do Brasil’". Revista USP, São Paulo, n. 12, p. 48-67, 1992.
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FABRICIO, Matheus Di Felippo. O IMPACTO DA LEI 851 DE 04 DE SETEMBRO DE 1850: Lei Eusébio de Queiroz e a consequência para alforrias em províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. E-Civitas - Revista Científica do Curso de Direito do UNIBH, Belo Horizonte, v. 14, n. 1, jul. 2021.

HISTORIADOXS NEGRXS. Encerramento da Terceira Jornada da Rede de Historiadorxs Negrxs sobre a abolição do tráfico transatlântico de africanos escravizados: os 170 anos da Lei Eusébio de Queirós, YouTube, 6 out 2020. 27min16seg.

PINHEIRO, Regina. Lei Eusébio de Queiroz completa 170 anos, Rádio Senado, Brasília, 1 set. 2020.
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